No início da década de 1960, o mar de Aral tinha uma superfície de cerca de 66,5 mil km2 (mais ou menos três vezes o tamanho de Sergipe, o menor estado do Brasil), sua profundidade média era de 16 metros e sua salinidade era 1/3 mais baixa que aquela registrada geralmente nos oceanos. Dois rios principais lançam suas águas no Aral: o Amu Daria, ao sul e o Sir Daria a nordeste. Esses rios, as duas principais fontes de recursos hídricos da região, têm suas nascentes nas altas montanhas que distam cerca de 1.000 km. da foz.
O ouro branco, como alguns denominam o algodão, foi introduzido na região durante o período czarista, mas seu cultivo passou a ser incentivado pelos lideres da União Soviética a partir dos anos 1960. Desde então, o Uzbequistão se transformou num dos maiores produtores de algodão do mundo. Esse sucesso econômico provocou e continua provocando danos enormes ao meio ambiente e às populações da região.
Mesmo após a independência do país em 1991, o governo uzbeque continuou detendo o monopólio das exportações, não deixou de incentivar a produção, permaneceu estabelecendo planos de colheita e a conseqüência de tudo isso é a falta de novas alternativas econômicas.
Em termos ambientais, o desastre pode ser avaliado por uma série de dados. Na década de 1980, o fluxo de água do rio Amu Daria era de apenas 10% daquele que era registrado vinte anos antes de iniciada a utilização intensiva da técnica de irrigação. Desde a segunda metade da década de 1990, nenhuma gota de água do Amu Daria tem chegado ao Aral. A interrupção do fluxo de água combinado com a forte evaporação e a pouca chuva fizeram diminuir a superfície do mar em cerca de 65%. Como conseqüência, seu volume decresceu em 80% e a profundidade média reduziu-se drasticamente.
O recuo da superfície do mar foi deixando milhares de hectares de áreas desérticas, recobertas por sais, alguns deles tóxicos, que os ventos dispersam por uma vasta região. A água residual do mar, assim como aquelas do curso inferior dos rios tiveram seu teor de sal aumentado assim como a carga de resíduos químicos e bacteriológicos fruto da utilização abusiva de adubos, pesticidas e outros produtos químicos.
À catástrofe ambiental, aliou-se a decadência econômica e social da região que já figurava como uma das mais pobres de toda União Soviética. Estima-se que pelo menos um milhão de pessoas já estão ou estarão nos próximos anos expostas a ameaças de poluição tóxica, resultantes de uma múltipla contaminação química, que afeta especialmente mulheres e crianças.
O mar de Aral, sempre foi o centro de um ecossistema alimentado pelas águas de seus dois principais cursos fluviais. Esse conjunto não mais existe como unidade. A prova disso é que atualmente a superfície líquida do Aral está dividida em três partes. A primeira, ao norte, no território do Cazaquistão, voltou a se encher de água graças a um dique artificial. As outras duas, no interior do território uzbeque, continuam a ver reduzida sua lâmina d’água.
No entanto, desde 2007, essas duas últimas áreas começaram a ser pesquisas por um consórcio de empresas ligadas à exploração petrolífera que procura por hidrocarbonetos no fundo das águas e nos terrenos salinizados adjacentes, já que o mar recuou quase 150 quilômetros desde sua antiga margem.
Embora as informações sobre o potencial de recursos em hidrocarbonetos do Aral ainda sejam escassas, pesquisas geofísicas realizadas até agora levam a prever um grande investimento que permitiria aumentar as perspectivas de exploração do gás até 2010.
A área que se pretende explorar abrange toda a superfície uzbeque do mar, isto é, cerca de 18 mil quilômetros quadrados (mais ou menos do tamanho de Sergipe), entre a parte oriental, a ocidental e a ilha de Vozrozhdenie que é, na verdade, uma península situada entre ambas. Na época soviética, a ilha de Vozrozhdenie foi uma importante área militar, onde se desenvolviam experiências com armas biológicas e que foi fechada em 1992.
As explorações geofísicas realizadas recentemente permitiram comprovar o constante “encolhimento” do Aral. Em um ano, a linha da costa retrocedeu 60 metros e a superfície desceu 30 centímetros. A parte ocidental do mar, com profundidade máxima de 40 metros, tem uma concentração de até 114 gramas de sal por litro. A parte oriental, com apenas dois metros de fundo, é praticamente uma salmoura.
Muitos habitantes da região apóiam a exploração dos hidrocarbonetos, e esperam que parte dos lucros advindos da exploração destine-se à recuperação do ecossistema e promovam a melhoria das condições de vida da população.
Todavia, a falta de um plano comum de cooperação entre os países da região (Tajiquistão, Quirguistão, Turcomenistão, além do Uzbequistão e Cazaquistão), cujos territórios são cortados pelos rios Amu Daria e Sir Daria tem gerado tensões hidroconflitivas entre eles, já que não se têm conseguido um acordo que estabeleça normas de um sistema de exploração racional e conjunta dos recursos hídricos existentes.
Como as geleiras no alto vale desses rios, situadas nas montanhas do Quirguistão e Tajiquistão vêm diminuindo estão se avolumando problemas entre os países situados na parte superior dos rios, interessados na produção de energia hidrelétrica, e os países situados à jusante, interessados na irrigação.
Por exemplo, no Uzbequistão crescem as suspeitas de que o vizinho Turcomenistão, localizado à montante, retenha mais água do Amu Daria do que necessita para alimentar projetos imobiliários luxuosos que incluem a criação de um lago artificial, reduzindo ainda mais o fluxo do rio.
Nesta e em várias outras áreas do mundo, a escassez do “ouro azul” torna-se cada vez mais o motivo de conflitos e tensões geopolíticas.
"A função de todo aquele que trabalha com idéias é refletir sobre o seu tempo".
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
A nação perdida
Mas as políticas étnicas bolivianas – conduzidas, em sentidos contrapostos, por Evo Morales e pela elite dirigente de Santa Cruz – não expressam teimosas realidades ancestrais: as identidades ameríndia, no Altiplano, e camba, no Oriente, são invenções recentes que funcionam como ferramentas no jogo de poder. Os plebiscitos que confirmaram o mandato do presidente, bem como os dos governadores oposicionistas do Oriente, atestam o triunfo dos dois lados na fabricação de identidades étnicas contrastantes. Para azar da Bolívia.
Não se deu a merecida atenção às fotografias das sessões da Assembléia Constituinte boliviana da qual emanou o texto constitucional que figura como pomo da discórdia. Os deputados da maioria exibiam vestimentas ameríndias tradicionais, algo que só não provoca estranheza a quem desconhece a Bolívia. Os ameríndios são 5 milhões, entre 9,1 milhões de bolivianos. Hoje, metade deles vive nas cidades. El Alto, a “cidade indígena” na periferia de La Paz, já tem 870 mil habitantes, que fazem da internet um nexo entre o mundo e as comunidades aymarás dos povoados do Altiplano. A língua espanhola, que foi o idioma apenas dos brancos e mestiços, atualmente é tão utilizada pelos índios quanto o quechua e o aymará. Os ameríndios bolivianos não usam mais vestimentas “indígenas”, exceto para vender produtos a turistas ou se são representantes de um projeto étnico na Assembléia Constituinte.
A “Bolívia ameríndia” é uma ruptura identitária. Os mineiros do estanho que deflagraram a Revolução Boliviana de 1952 tinham origem indígena, mas se definiam como trabalhadores e bolivianos, não como índios. O próprio Evo Morales alçou-se à notoriedade atuando como liderança sindical dos camponeses “cocaleros”. Foi só mais tarde, quando iniciou a jornada rumo à presidência, que ele se aliou aos arautos de um “renascimento aymará” e a ONGs multiculturalistas internacionais. Dessa aliança nasceu o projeto de uma “Bolívia plurinacional”, agora consagrado na letra de uma Constituição que acende a fagulha da guerra civil.
“Elite branca” – esse é o epíteto usado pelos governistas para fazer referência aos oposicionistas da “Meia-Lua” boliviana. Entretanto, nos departamentos orientais, elites e povo não se enxergam como brancos, mas como mestiços cambas. O movimento camba nasceu como reação à Revolução Boliviana dos mineiros de estanho, fabricando uma suposta identidade ancestral para o povo do Oriente. Segundo essa narrativa romântica, os cambas seriam os frutos da miscigenação entre brancos de origem espanhola e guaranis das terras baixas. O relicário de imagens dos guaranis “ancestrais” desempenha, em Santa Cruz, funções simbólicas paralelas às das “nações originárias” ameríndias em La Paz.
A ascenção de Evo Morales, portando a bandeira da restauração das “nações originárias”, forneceu combustível para a transformação do projeto identitário camba num movimento popular. Evo e os seus continuam a crismar os opositores como “minoria oligárquica”, mas sabem que não é bem assim. Eis o motivo pelo qual, diante das alternativas da repressão e da negociação, optaram pela segunda.
Paradoxalmente, a natureza trágica do impasse boliviano decorre da convergência de fundo entre La Paz e Santa Cruz, sintetizada na fórmula da “Bolívia plurinacional”. Essa fórmula significa que todos estão de acordo em renunciar à nação boliviana. De acordo com ela, a Bolívia não existe, a não ser na forma de uma entidade territorial: uma moldura geográfica habitada por nações distintas, em tudo apartadas. O consenso da renúncia molda os dissensos políticos capazes de ensangüentar o país.
Nos tempos da Revolução Boliviana, a riqueza da Bolívia estava incrustada no subsolo do Altiplano indígena, sob a forma de extensos veios de cassiterita. Hoje, a riqueza encontra-se nos depósitos de hidrocarbonetos do subsolo do Oriente camba. Na cúpula da Unasul, dias atrás, Evo Morales defendeu a “unidade” do país e acusou os opositores de tramarem a “divisão”. Na sua tradução da “Bolívia plurinacional”, as “nações” bolivianas têm direito à autonomia, mas a “unidade” repousa sobre o controle central dos recursos naturais e das rendas dos hidrocarbonetos. Os governadores da “Meia-Lua”, por sua vez, exigem que essas rendas sejam subordinadas ao princípio da descentralização e aos privilégios autonômicos departamentais.
A nação, nas palavras de Benedict Anderson, é uma “comunidade imaginada”. Os bolivianos imaginaram-se como integrantes de uma nação única mesmo nas turbulências incessantes de quase toda a segunda metade do século 20. Agora, em virtude das opções de suas elites políticas, tanto a do Altiplano quanto a do Oriente, imaginam-se como soldados de nações étnicas separadas pela fronteira intransponível do sangue. Na cúpula da Unasul, Hugo Chávez atribuiu a crise à “ingerência do império americano” e a “uma espécie de greve” do comando militar boliviano. Mas, apesar do que pensa o venezuelano, a crise é nacional e os chefes militares comandam um exército rachado de alto a baixo pela mesma linha de corte que divide a nação.
Manifestando seu respaldo ao governo de Evo Morales, o presidente equatoriano Rafael Correa prometeu que a América Latina não permitirá a conversão da Bolívia nos “Bálcãs”. Ninguém, exceto os bolivianos, tem o poder de realizar esse desejo. Mas não será fácil, pois o requisito é uma renúncia à renúncia. Depois de tudo, alguém ainda quer ser simplesmente boliviano?
Demétrio Magnoli
Não se deu a merecida atenção às fotografias das sessões da Assembléia Constituinte boliviana da qual emanou o texto constitucional que figura como pomo da discórdia. Os deputados da maioria exibiam vestimentas ameríndias tradicionais, algo que só não provoca estranheza a quem desconhece a Bolívia. Os ameríndios são 5 milhões, entre 9,1 milhões de bolivianos. Hoje, metade deles vive nas cidades. El Alto, a “cidade indígena” na periferia de La Paz, já tem 870 mil habitantes, que fazem da internet um nexo entre o mundo e as comunidades aymarás dos povoados do Altiplano. A língua espanhola, que foi o idioma apenas dos brancos e mestiços, atualmente é tão utilizada pelos índios quanto o quechua e o aymará. Os ameríndios bolivianos não usam mais vestimentas “indígenas”, exceto para vender produtos a turistas ou se são representantes de um projeto étnico na Assembléia Constituinte.
A “Bolívia ameríndia” é uma ruptura identitária. Os mineiros do estanho que deflagraram a Revolução Boliviana de 1952 tinham origem indígena, mas se definiam como trabalhadores e bolivianos, não como índios. O próprio Evo Morales alçou-se à notoriedade atuando como liderança sindical dos camponeses “cocaleros”. Foi só mais tarde, quando iniciou a jornada rumo à presidência, que ele se aliou aos arautos de um “renascimento aymará” e a ONGs multiculturalistas internacionais. Dessa aliança nasceu o projeto de uma “Bolívia plurinacional”, agora consagrado na letra de uma Constituição que acende a fagulha da guerra civil.
“Elite branca” – esse é o epíteto usado pelos governistas para fazer referência aos oposicionistas da “Meia-Lua” boliviana. Entretanto, nos departamentos orientais, elites e povo não se enxergam como brancos, mas como mestiços cambas. O movimento camba nasceu como reação à Revolução Boliviana dos mineiros de estanho, fabricando uma suposta identidade ancestral para o povo do Oriente. Segundo essa narrativa romântica, os cambas seriam os frutos da miscigenação entre brancos de origem espanhola e guaranis das terras baixas. O relicário de imagens dos guaranis “ancestrais” desempenha, em Santa Cruz, funções simbólicas paralelas às das “nações originárias” ameríndias em La Paz.
A ascenção de Evo Morales, portando a bandeira da restauração das “nações originárias”, forneceu combustível para a transformação do projeto identitário camba num movimento popular. Evo e os seus continuam a crismar os opositores como “minoria oligárquica”, mas sabem que não é bem assim. Eis o motivo pelo qual, diante das alternativas da repressão e da negociação, optaram pela segunda.
Paradoxalmente, a natureza trágica do impasse boliviano decorre da convergência de fundo entre La Paz e Santa Cruz, sintetizada na fórmula da “Bolívia plurinacional”. Essa fórmula significa que todos estão de acordo em renunciar à nação boliviana. De acordo com ela, a Bolívia não existe, a não ser na forma de uma entidade territorial: uma moldura geográfica habitada por nações distintas, em tudo apartadas. O consenso da renúncia molda os dissensos políticos capazes de ensangüentar o país.
Nos tempos da Revolução Boliviana, a riqueza da Bolívia estava incrustada no subsolo do Altiplano indígena, sob a forma de extensos veios de cassiterita. Hoje, a riqueza encontra-se nos depósitos de hidrocarbonetos do subsolo do Oriente camba. Na cúpula da Unasul, dias atrás, Evo Morales defendeu a “unidade” do país e acusou os opositores de tramarem a “divisão”. Na sua tradução da “Bolívia plurinacional”, as “nações” bolivianas têm direito à autonomia, mas a “unidade” repousa sobre o controle central dos recursos naturais e das rendas dos hidrocarbonetos. Os governadores da “Meia-Lua”, por sua vez, exigem que essas rendas sejam subordinadas ao princípio da descentralização e aos privilégios autonômicos departamentais.
A nação, nas palavras de Benedict Anderson, é uma “comunidade imaginada”. Os bolivianos imaginaram-se como integrantes de uma nação única mesmo nas turbulências incessantes de quase toda a segunda metade do século 20. Agora, em virtude das opções de suas elites políticas, tanto a do Altiplano quanto a do Oriente, imaginam-se como soldados de nações étnicas separadas pela fronteira intransponível do sangue. Na cúpula da Unasul, Hugo Chávez atribuiu a crise à “ingerência do império americano” e a “uma espécie de greve” do comando militar boliviano. Mas, apesar do que pensa o venezuelano, a crise é nacional e os chefes militares comandam um exército rachado de alto a baixo pela mesma linha de corte que divide a nação.
Manifestando seu respaldo ao governo de Evo Morales, o presidente equatoriano Rafael Correa prometeu que a América Latina não permitirá a conversão da Bolívia nos “Bálcãs”. Ninguém, exceto os bolivianos, tem o poder de realizar esse desejo. Mas não será fácil, pois o requisito é uma renúncia à renúncia. Depois de tudo, alguém ainda quer ser simplesmente boliviano?
Demétrio Magnoli
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
MANCHETE DO G1
Inflação anual no Zimbábue chega a 231.000.000%
Inflação no mês anterior havia sido de 11,2 milhões por cento.
Autoridades já tentaram diversas medidas para conter escalada
Inflação no mês anterior havia sido de 11,2 milhões por cento.
Autoridades já tentaram diversas medidas para conter escalada
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
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