quarta-feira, 19 de maio de 2010

A importância do poder aéreo

Há pouco mais de um século, o brasileiro Alberto Santos Dumont foi o primeiro homem a realizar um vôo a bordo de um veículo aéreo mais pesado que o ar. Em 23 de outubro de 1906, em Paris, perante inúmeras testemunhas, o “14 Bis” alçou vôo e se constituiu num marco histórico para a aviação. Embora essa primazia seja objeto de questionamentos, Santos Dumont é considerado o brasileiro que mais se destacou na história da aviação mundial. Até certo ponto, pode-se debitar o sucesso atual da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) à experiência pioneira daquele que recebeu a alcunha de “pai da aviação”.

Desde então, a aviação vem apresentando uma rápida e contínua evolução tanto no que diz respeito ao uso de aviões no transporte voltado para fins comerciais (carga e passageiros), como no que tange aos usos de caráter militar. A expansão do transporte de cargas em larga escala teve grande aceleração a partir do final da Segunda Guerra Mundial e o transporte de pessoas “explodiu” com o aumento da atividade turística (férias e negócios), a partir da segunda metade da década de 1980.

O maior fluxo de cargas e passageiros, assim como o maior número de rotas áreas concentram-se no hemisfério norte tendo como pontos nodais os Estados Unidos, os países da Europa Ocidental e os do Extremo Oriente. Não coincidentemente, esse maior movimento ocorre nas áreas do mundo onde se localizam as economias mais desenvolvidas.

Isso pode ser comprovado por alguns dados: os aeroportos com o maior movimento de passageiros são os de Atlanta, (82 milhões) e de Chicago (75 milhões), ambos nos Estados Unidos. O de maior tráfego aéreo internacional é o de Heatrow, Londres (média de 460 mil pousos/decolagens/ano). O de maior movimento de cargas é o de Memphis (EUA). O aeroporto de Guarulhos-São Paulo, um dos mais movimentados do “sul subdesenvolvido”, ocupa apenas o 65º lugar no ranking de passageiros.

A importância do conhecimento e domínio dos espaços físicos que atendessem a objetivos geopolíticos dos Estados ensejou o surgimento de teorias geopolíticas relacionadas a idéias de domínio e poder mundial. Uma das mais importantes dessas teorias foi a do poder marítimo desenvolvida pelo norte-americano Alfred Mahan no século XIX. Ele defendia a idéia de que o controle dos mares para fins comerciais e militares era um fator crucial para que um país tivesse relevância política no contexto internacional.

Já a teoria do poder continental teve no britânico Halford Mackinder seu grande expoente. Sua idéia principal era baseada no fato de que uma determinada porção do território da Eurásia, especificamente a região da Europa centro-oriental “emanaria” uma espécie de poder e o país que tivesse o controle dessa área, o hearthland, teria condições de exercer o poder mundial. As idéias de Mackinder influenciaram sobremaneira a demarcação das novas fronteiras surgidas na Europa Oriental ao final da Primeira Guerra Mundial, cujo exemplo emblemático foi a criação do corredor polonês de Dantzig.

A mais recente dessas teorias geopolíticas foi a do poder aéreo que teve como ideólogo Alexander Severky, em plena Segunda Guerra. Segundo ele, a cena principal e decisiva dos conflitos modernos não estaria na terra, nem no mar, mas no “oceano de ar”. Essas considerações, até certo ponto, permeiam ainda hoje o conceito de poder aéreo.

A soberania sobre o espaço aéreo existente sobre os espaços nacionais é uma noção recente na história e só teve razão de existir com o advento do avião. Até a Primeira Guerra Mundial o sobrevôo de um país não era objeto de restrições. A crescente importância estratégica da aviação levou primeiramente à uma limitação do sobrevôo apenas abaixo de uma determinada altitude.

Quando se percebeu o grande valor da aviação na observação e coleta de informações cada vez mais precisas sobre localizações estratégicas e o poder de destruição dos aviões de ataque, as restrições para o uso dos espaços aéreos nacionais ficaram cada vez mais restritas. Atualmente, o conceito de soberania sobre o espaço aéreo está relacionado com a capacidade de cada país em impedir o sobrevôo de seu território por aeronaves não autorizadas. A implantação do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) exemplifica as preocupações com o controle do espaço aéreo brasileiro.

É claro que países como os Estados Unidos, detentores satélites-espiões equipados com sofisticados sistemas de observação que orbitam ou estão semi-estacionários na alta atmosfera têm a capacidade de obter informações de tal forma que têm colocado em xeque o conceito de soberania sobre os espaços aéreos nacionais.

Por outro lado não deve se esquecer que o primeiro evento importante da política internacional no início do século XXI, os ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono, teve como “protagonista” o invento longinquamente criado por Santos Dumont.

sábado, 15 de maio de 2010

Ações nos bastidores

Estamos entrando em um período de grandes mudanças. E são sinais dos tempos ouvir que o Fundo Monetário Internacional quer regular e taxar a circulação internacional dos capitais. Mesmo os grandes bancos privados começam a se dar conta, porque vários quebraram, que deixados à sua sina caminham para uma disputa alucinada e para a própria destruição.
Por outro lado, avaliações do impacto da crise nos diferentes países ressaltaram o importantíssimo papel que tiveram os bancos públicos, com uma ação coordenada, para enfrentar esse cenário adverso. Países como a Índia, que nacionalizou seus bancos, ou o Brasil, que tem quase metade do seu sistema financeiro público, sofreram menos por disporem desses recursos públicos e da capacidade de gestão para mobilizá-los na crise.
Abre-se, assim, um debate represado há muitos anos, que hoje conta com uma maior audiência: o do controle público sobre o sistema financeiro nacional e internacional e as transações financeiras internacionais. Dito de outra forma, mais abrangente: a crise abriu a possibilidade de se instituir novos controles democráticos sobre a economia.
No auge da crise foram eles, os principais agentes financeiros privados, que desenharam o pacote de ajuda do governo estadunidense a si próprios. E aceitaram, pelo impacto social enorme de suas próprias ações, pelos efeitos sociais perversos da crise, pelas questões de governabilidade, debater um novo pacto de regulação do sistema financeiro, incluindo um maior controle sobre os paraísos fiscais.
As últimas estimativas são de que, globalmente, foram destinados mais de US$ 13 trilhões de recursos públicos para salvar as grandes corporações privadas. Nunca havia se visto tanta riqueza mobilizada do dia para a noite. Como essas grandes corporações foram capazes de impulsionar, com tamanha rapidez, tantos recursos públicos no seu interesse privado?
John Dewey, um dos mais proeminentes filósofos americanos do século XX, concluía que a política em nossos países é definida, nos bastidores, pelas grandes corporações, e que vai continuar sendo assim enquanto o poder residir nos negócios orientados para o lucro, através do controle privado dos bancos, da terra, da indústria, reforçado pelo comando da imprensa, dos jornalistas e de outros meios de publicidade e propaganda.
O neoliberalismo dos anos 1990 fez mais. Construiu todo o arcabouço legal e institucional para que a política não tocasse na economia, não tocasse nos interesses “do mercado”. Políticas como a de um Banco Central independente são expressão dessa engenharia institucional.
No Brasil, dinheiro e poder continuam associados, mas temos tido avanços nas dimensões republicana e democrática das ações do poder público. Há uma ação mais efetiva do sistema judiciário e da polícia federal no combate à corrupção na política, que acabou por afastar governadores, executivos e parlamentares dos cargos, acusados de uso privado do dinheiro público, de captação ilícita de recursos para campanhas eleitorais, de favorecimentos a empresas em licitações para obras e serviços públicos. Mas, apesar desses avanços, não se tem notícia da penalização das empresas envolvidas – supostamente, os agentes corruptores. Há também várias iniciativas da sociedade civil, que vão desde a defesa de uma reforma política até o projeto de lei que impede a candidatura de pessoas condenadas pela Justiça, batizado de Ficha Limpa, apresentado ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular, respaldado por 1,5 milhão de assinaturas.
A abordagem mais comum para tratar do tema dos abusos do poder econômico na arena da política acaba por acusar a natureza humana – e os políticos de maneira geral – por se deixar seduzir pelo dinheiro. Esquecem do que Dewey aponta como “as ações nos bastidores”, que são constitutivas mesmo do modo de fazer política das grandes corporações.
Pois o que está em questão agora é justamente a possibilidade de um novo desenho institucional, da realização de um novo pacto, no qual, em nome do interesse de todos, os atores econômicos passam a atuar nos marcos de um planejamento público e um controle democrático. Serão novos paradigmas de produção e consumo, serão novas formas de exercício da democracia e do controle social incidindo sobre os poderes públicos e os atores econômicos.
Ainda que as lutas sociais tenham ampliado, ao longo do tempo, o que hoje entendemos por democracia, o reconhecimento de direitos e a extensão de políticas sociais, na dimensão propriamente política parece não ter havido grandes avanços. A pergunta continua sendo como garantir que a democracia controle a economia – e não o contrário.
Para que essa política dos bastidores e a corrupção na política possam ser superadas, as regras do jogo precisam mudar. O financiamento das campanhas eleitorais está no centro desse debate. E se adotássemos, por exemplo, as regras de financiamento de campanhas eleitorais de Quebec, no Canadá, onde todos os candidatos têm um teto para a arrecadação de contribuições? Ou o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, proibindo as contribuições do setor privado?
O tema central do pacto pode ser o de tirar a política dos bastidores e trazê-la para o centro do espaço público, apaziguar a sociedade brasileira, promover a redução da enorme desigualdade social, a redução da violência em nossa sociedade e garantir a extensão das políticas públicas de qualidade por todo o território.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

Ouro Azul

Dentre os graves problemas ambientais do século XXI, dois se destacam: a questão do aquecimento global e a escassez de água. Em relação às questões referentes à água deve-se ressaltar que apesar de cerca de 75% da superfície do planeta ser recoberta por massas líquidas, a água doce representa apenas 2,5% desse total. O problema é que apenas uma minúscula parcela (cerca de 1%) dessa água doce, presente nos rios, lagos, lençóis freáticos superficiais e atmosfera é acessível ao homem. O restante desse “estoque” está imobilizado nas geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos.

A água potável é um recurso finito, que se reparte desigualmente pela superfície terrestre. Por seu ciclo natural a água é um recurso renovável, mas suas reservas não são ilimitadas. Especialistas têm alertado que, se o consumo continuar crescendo como nas últimas décadas, todas as águas superficiais do planeta estarão comprometidas em 2.100.

No século XX, a população mundial foi multiplicada por três, as superfícies irrigadas por seis e o consumo global de água por sete. Nas últimas cinco décadas a poluição dos mananciais reduziu dramaticamente as reservas hídricas em um terço. Atualmente cerca de 50% das terras emersas já enfrentam um estado de penúria em água. Pelo menos 20% da humanidade não tem acesso à água de boa qualidade para consumo e cerca de metade dos habitantes do planeta não dispõe de uma rede de abastecimento satisfatória.

A carência de água é resultado da combinação de fatores naturais, demográficos, sócio-econômicos e até culturais. Os estoques de água potável hoje disponíveis para o uso humano dariam para sustentar muito bem pelo menos o dobro da população atual. A questão é que os recursos hídricos não se distribuem equitativamente pela superfície da Terra.

Nas áreas desérticas e semi áridas, como o norte da África ou Oriente Médio, as chuvas são inexistentes, escassas ou irregulares. Juntando-se a este fator um alto crescimento demográfico, poluição de mananciais, má utilização dos recursos hídricos e desperdício surge o “estresse hídrico”, situação na qual os habitantes de uma determinada área consomem em média menos de 2000 litros de água por ano.

A escassez de água tem criado tensões e conflitos entre países por conta de disputas pelo controle e utilização de fontes de águas superficiais, especialmente rios, quando estes atravessam territórios de duas ou mais nações. As tensas relações entre palestinos e israelenses no vale do Jordão ou entre Síria, Iraque e Turquia nos vales dos rios Tigre e Eufrates, ilustram essas situações denominadas hidroconflitivas.(ver mapa)

Das 260 bacias hidrográficas consideradas internacionais, 75% possuem áreas compartilhadas por dois países e as restantes por grupos de três ou mais países. Como não existe uma legislação internacional suficientemente clara a respeito, são raros os casos em que países estabelecem acordos de utilização comum dos recursos hídricos. Por isso podem ser identificadas atualmente dezenas de áreas com situações reais ou potencialmente hidroconflitivas.
Vários índices podem ser utilizados para se fazerem análises dos recursos hídricos superficiais. Um dos que permite estabelecer interessantes conexões geográficas e geopolíticas é o índice denominado “dependência de água”. Ele se refere à porcentagem de água renovável de um país (fundamentalmente de rios), vinda de fora de seu território.

De imediato, chega-se a uma série de conclusões inevitáveis. Os países localizados à montante têm, a princípio, menor dependência de água do que aqueles situados à jusante. Obviamente, países insulares pequenos como os do Caribe ou de média/grande extensão como Madagascar ou a “ilha-continente” da Austrália tem 0% de dependência.

Se tomarmos como objeto de análise alguns dos países mais extensos do mundo teremos algumas surpresas. Por exemplo, o índice de dependência da China, apesar dos seus graves problemas hídricos, é de apenas 1%. Afinal o Planalto do Tibete é também estratégico porque se constitui numa verdadeira “caixa d’água” dos rios que drenam exclusivamente o território chinês (o Iangtsé, por exemplo), como também daqueles que fluem para o Subcontinente Indiano (o Bramaputra) ou para o Sudeste Asiático (o Mekong).

Outros países de grande superfície como a Rússia, o Canadá e os Estados Unidos com índices de dependência de 4%, 2% e 8%, respectivamente ensejam, quando da observação de um mapa físico e político, análises geográficas e geopolíticas curiosas e, até certo ponto, surpreendentes como no caso brasileiro.

O Brasil possui o maior estoque de recursos hídricos do mundo (cerca de 13%) e uma vasta e densa rede hidrográfica, mas seu índice de dependência é de 34%. Apesar de grande parte dos rios da Bacia Platina e da totalidade de importantes bacias, como as do São Francisco e a do Tocantins-Araguaia, se situarem em território brasileiro, parcela considerável da área da Bacia Amazônica, especialmente os altos vales do rio principal e muitos de seus caudalosos afluentes situam-se fora do espaço nacional do país.

Por outro lado, países situados em várias partes do mundo apresentam altos índices de dependência como são os casos do Egito (97%), Hungria (94%), Holanda (88%), Turcomenistão (97%), Síria (80%), Bangladesh (91%), Paraguai (72%) e Argentina (66%). Quase todos eles, em maior ou menor grau, vivem ou viveram recentemente “tensões hidroconflitivas” com seus vizinhos.