segunda-feira, 14 de junho de 2010

Uma nova visão geográfica sobre o Norte do Brasil

A Região Norte do Brasil possui extensão de mais de 3,8 milhões de km2, ocupando 45,3% do território nacional. Nela vivem cerca de 15 milhões de pessoas, quase 8% da população brasileira. Nas últimas décadas, os estados da região exibem os maiores ritmos de crescimento populacional do país.
Não é de hoje que a região desempenha o triplo papel de fronteira demográfica, econômica e geopolítica, atraindo investimentos, interesses dos mais variados e um significativo número de pessoas de outras áreas do Brasil. A região contribui com aproximadamente 5% do PIB nacional, uma participação cerca de dez vezes inferior a do Sudeste. Contudo, nas últimas décadas, o crescimento do PIB regional figura como o mais expressivo do país.
Estudo recente, baseado em informações do IBGE e em análises do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), sugeriu uma nova divisão do espaço regional, resultante da identificação de 24 Áreas Polarizadas (APs). A nova divisão proposta tem o objetivo de fornecer ao governo subsídios para uma ocupação em bases mais sustentáveis. O grande número de APs identificadas reflete a vasta superfície regional, na qual as paisagens naturais não se apresentam fisiográfica ou ecologicamente uniformes, e também as diferenciações no espaço geográfico geradas por dois séculos de valorização econômica da Amazônia brasileira.
Não se ignorou que, atualmente, três quartos dos habitantes da região vivem nas cidades, com grande concentração em Manaus e Belém, e que a rede urbana é muito pouco articulada, dispersa por um amplo território e servida por precária infra-estrutura, com impactos negativos nos fluxos de pessoas, bens e serviços. Levou-se em conta, ainda, a delimitação legal de vastas áreas interditas à ocupação (unidades de conservação e terras indígenas), criadas com finalidade de proteger o patrimônio ambiental e étnico-cultural. Estima-se que sofrem bloqueios totais ou parciais de uso quase 1,3 milhão de km2 – cerca de 30% da área regional.
De certa maneira, pode-se dizer que o estudo lançou um olhar sobre o Norte do país através de uma espécie de “lupa geográfica” que possibilita o detalhamento das características demográficas e sócio-econômicas da região Das 24 APs, seis se situam no Pará, seis no Amazonas, quatro em Tocantins e duas em cada um dos estados restantes.
As APs foram classificadas em quatro tipos. O primeiro e mais importante abrange Manaus e Belém. As duas metrópoles concentram grande parte da população e do PIB de seus respectivos estados, que juntos abrigam 70% da população e geram cerca de dois terços do PIB regional. Em Belém, vive um terço dos paraenses e a cidade gera quase 45% do PIB estadual. Em Manaus a “macrocefalia” demográfica e econômica é ainda maior: quase 60% da população e cerca de 85% do PIB.
No segundo tipo estão oito APs, entre as quais duas no Pará: Tucuruí-Marabá e Castanhal-Bragança. A primeira concentra cerca de 20% da população e gera 30% do PIB estadual. A sua importância demográfica e econômica está relacionada, principalmente, aos efeitos da presença da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, à atividade de extração mineral na Serra dos Carajás e ao avanço da agropecuária moderna. Já a AP de Castanhal-Bragança funciona como pólo de complementaridade econômica de Belém.
As seis outras APs de segundo tipo estão localizadas em Rondônia, Acre, Roraima, Amapá e Tocantins. Essencialmente, elas refletem o poder de polarização exercido pelas capitais estaduais. As APs de terceiro e quarto tipo, num total de 14, estão espalhadas por todos os estados da região e apresentam menor importância.
A principal conclusão do estudo é que a ocupação e a valorização econômica do Norte deve ser espacialmente seletiva e descontínua, a fim de proteger o patrimônio ambiental, promover o aproveitamento sustentável dos recursos naturais e assegurar a proteção das populações, culturas e terras indígenas. A estratégia proposta deve induzir a uma “desconcentração concentrada” do povoamento nas AP de terceiro e quarto tipos, reduzindo a migração para as maiores cidades e fortalecendo centros urbanos menores, nas faixas de fronteiras internacionais do país.
A proposta de divisão subregional vem acompanhada por uma série de metas de desenvolvimento: estimular a pesquisa em biotecnologia, promover o uso sustentável da biodiversidade, induzir a uma mudança do paradigma produtivo, apoiar um novo tipo de extrativismo, controlar a mineração predatória, dar ênfase à bioindústria com matérias-primas fornecidas pela floresta e incentivar o ecoturismo. Essa lista de metas enfrentará, evidentemente, um grande obstáculo para sua implementação: os poderosos e conflitantes interesses envolvidos.
Há diferenças e semelhanças entre a nova proposta e o Plano Amazônia Sustentável (PAS), lançado pelo governo federal em 2004. Uma das principais diferenças é de cunho espacial, já que o estudo do IPEA/IBGE tem como base a Região Norte, enquanto o PAS usa como referência o conceito de Amazônia Legal. As semelhanças encontram-se nas estratégias e nos objetivos a serem alcançados. De maneira geral, nos dois casos, acredita-se que a preservação ambiental depende do desenvolvimento econômico e social. E que um desenvolvimento de caráter sustentável depende do impulso da modernização tecnológica.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Os muçulmanos no Extremo Oriente e Europa

Cerca de 70% dos muçulmanos do mundo estão presentes no continente asiático. Contudo, a região da Ásia com menor expressão de pessoas que seguem o islamismo localiza-se no Extremo Oriente, mais especificamente na porção oeste-noroeste da China.
Nessa porção do território chinês está a Região Autônoma do Xinjiang-Uigur, área com mais de 1,6 milhões de km2 onde convergem as fronteiras internacionais da China com a Mongólia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Paquistão.Essa região é em grande parte desértica e semi-árida, emoldurada por altos planaltos (Tibete, por exemplo) e cadeias montanhosas como as do Altai e Tian Shan. Em seu interior encontram-se também grandes depressões como a de Dzungária e a do rio Tarim.
Com cerca de 20 milhões de habitantes, o Xinjiang-Uigur tem na etnia uigur aquela de maior expressão demográfica perfazendo um pouco menos de 50% do contingente regional. Com uma população numericamente semelhante estão os chineses han, a etnia majoritária em toda a China. O restante da população, um pouco menos de 10%, é composta por povos centro-asiáticos vizinhos como cazaques, quirguizes e tajiques.Os uigures são muçulmanos sunitas de cultura turca, presentes nessa região desde o século VIII e que se converteram ao islamismo oito séculos depois.
Por conta de sua localização estratégica, uma espécie de ponte entre as estepes russas e as áreas densamente povoadas da China litorânea do Pacífico, o Xinjiang (outrora denominado Turquestão chinês) ao longo da história foi objeto de domínio e interferência de povos como mongóis, russos e chineses han. Mais recentemente, no início da década de 1950, logo após o triunfo da Revolução Chinesa de 1949, o governo de Pequim passou a desenvolver políticas de promoção de desenvolvimento econômico e de efetiva ocupação territorial da região.
Deu-se início à exploração das jazidas minerais, especialmente petróleo, implantaram-se algumas indústrias bélicas e uma das áreas da região, nas imediações do lago Lop Nor, foi palco dos testes atômicos subterrâneos chineses, há alguns anos interrompidos. Por outro lado, o governo central estimulou o aumento sistemático de populações han, que tiveram sua participação multiplicada por quatro nos últimos 50 anos. Os han estão presentes especialmente nas cidades como em Urumqi, a capital, e centros industriais da região. Essa contínua e persistente “invasão” dos han tem aguçado, nos últimos tempos, o antagonismo com os uigures, muitos dos quais não têm se mostrado insensíveis às idéias de movimentos muçulmanos extremistas. Na última década ocorreram alguns atentados na região.
O Xinjiang-Uigur teve aumentado ainda mais sua importância estratégica e geoeconômica em função não som pela recente descoberta de jazidas de hidrocarbonetos, mas também pelo fato de que por ali deverá passar um grande oleoduto que conectará as jazidas do Cazaquistão e da Sibéria Ocidental às regiões costeiras chinesas. Foi nesse contexto que no final da década de 1990, China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão formaram o Grupo de Xangai, cujo objetivo consiste em lutar contra o tráfico ilícito, promover o desenvolvimento econômico da área, mas principalmente lutar contra o terrorismo separatista e o extremismo religioso.
Povos turcófonos, isto é, muçulmanos de cultura turca como os uigures não são os únicos seguidores do islamismo na China. Há pelo menos 10 milhões de muçulmanos chineses da etnia han presentes em inúmeras províncias do país. Esses muçulmanos chineses, denominados hui, são especialmente numerosos na província de Ningxia.
Já os muçulmanos presentes no continente europeu podem ser divididos em dois grandes grupos. O primeiro deles é o dos muçulmanos que passaram a se dirigir para a Europa a partir da segunda metade do século XX. Essa migração teve como causas principais o processo de descolonização afro-asiática e a necessidade de mão-de-obra não especializada por parte dos europeus. É claro que as precárias condições de vida desses novos países foi também a causa importante desses fluxos migratórios intercontinentais.
Os países europeus que mais receberam esses imigrantes foram a França, a Grã Bretanha e a Alemanha. No caso dos dois primeiros, os imigrantes que para lá se dirigiram eram provenientes, sobretudo das antigas colônias francesas e britânicas. Assim, para a França a área de origem dos imigrantes era principalmente a região do Magreb africano, especialmente do Marrocos e Argélia. No caso da Grã Bretanha, grande parte dos indivíduos era originária do subcontinente indiano, isto é, Paquistão e Índia.
Já a Alemanha, o país que mais recebeu imigrantes na Europa, a questão de antigas colônias não se colocava, pois este país, ainda quando era o Império Alemão, perdeu todas as suas possessões coloniais ao fim da Primeira Guerra Mundial. Em solo germânico, parte considerável dos muçulmanos tinha como área de origem a Turquia.
O segundo grande grupo de muçulmanos presentes na Europa corresponde àqueles que estão presentes no continente há vários séculos. Eles estão concentrados especialmente na Península Balcânica, com destaque para dois países onde são maioria da população: na Albânia e na Bósnia, sem contar o caso especial de Kosovo. Nas vizinhas Macedônia, Bulgária e Sérvia, os indivíduos que professam o islamismo são minorias mais ou menos significativas.
A presença desses muçulmanos na porção sudeste do continente europeu está ligada historicamente à expansão e domínio do Império Otomano que se estendeu do século XIV até o início do século XX. O mais emblemático e complexo exemplo dos países que fazem parte desse grupo é a Bósnia.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Olhares.com

Fotos com um olhar diferenciado de um grande mestre historiador, Professor Edgard.
Sem duvida nehuma vale a pena.
http://br.olhares.com/edgardchaves

terça-feira, 1 de junho de 2010

Grandes linhas do plano estratégico de defesa do Brasil

A criação da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, em novembro de 2008, integrada por 227 parlamentares, teve como objetivo dar sustentação no Congresso para o Plano Estratégico de Defesa Nacional, elaborado pelo Ministério da Defesa. Será que o Brasil necessita de um plano como esse?

Seus defensores afirmam que sim, pois ele responde a uma necessidade estratégica do país. Nas últimas décadas, o Brasil cresceu e se desenvolveu, ampliando seu protagonismo internacional ganhando peso nas decisões internacionais – ao mesmo tempo em que permaneceram estagnadas suas estratégias de defesa. Os idealizadores do plano argumentam que ele foi concebido para funcionar como um escudo protetor para o desenvolvimento nacional.

São poucos os países do mundo que atualmente não reúnem suas forças armadas num único órgão de defesa, subordinado ao chefe do Poder Executivo. No Brasil, até 1999, as três forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) funcionavam com ministérios distintos. A idéia de um Ministério da Defesa, integrando essas três forças militares é antiga, mas só em 1995 o assunto veio à tona, quando o então presidente, Fernando Henrique Cardoso anunciou em seu plano de governo que estava prevista a criação do Ministério da Defesa.

Nos anos seguintes, realizaram-se os estudos que definiram as diretrizes para a implantação do novo ministério. Em janeiro de 1999 foi nomeado um ministro Extraordinário da Defesa, incumbido da implantação do órgão, e cinco meses depois criava-se oficialmente o novo ministério. Desde sua criação o cargo de ministro de Defesa tem sido exercido por um civil. A mensagem simbólica é que os homens com armas estão subordinados aos representantes eleitos pelo povo, algo relevante num país que conheceu duas décadas de ditadura militar.

Os temas geopolíticos e estratégicos permaneceram, durante muito tempo, mais ou menos restritos à oficialidade militar e à Escola Superior de Guerra (ESG). Com o Ministério da Defesa, ampliou-se o intercâmbio de ideias entre militares e civis. As universidades e os políticos passaram a participar da formulação de conceitos sobre a segurança nacional e a defesa.

A nova Estratégia Nacional de Defesa é baseada em três grandes eixos. O primeiro deles diz respeito à reorganização das Forças Armadas no sentido de que elas desempenhem de forma mais efetiva sua destinação e atribuições constitucionais, tanto na paz como em caso de guerra. Do ponto de vista da distribuição geográfica das Forças Armadas, o Plano indica que o Exército deverá ter o seu núcleo central em Brasília, pois estando na região central do país seus efetivos podem se deslocar com maior rapidez para as demais regiões.
A Marinha deverá ampliar sua influência nas bacias hidrográficas do Amazonas e Platina, áreas que o país compartilha com quase todos os vizinhos da América do Sul. Ela deverá também estar cada vez mais presente no litoral e águas territoriais, especialmente na faixa do pré-sal, faixa marítima localizada entre os estados do Espírito Santo e de Santa Catarina. Serão também ampliados os sistemas de vigilância das instalações navais e portuárias, arquipélagos e ilhas. Caberá à Força Aérea atuar em auxílio ao Exército e à Marinha, adequando a localização das suas unidades de transporte aéreo a fim de propiciar rápido apoio às demais forças.

O contingente militar deverá ser ampliado junto às fronteiras terrestres com as Guianas e Venezuela e na região conhecida como “Cabeça de Cachorro”. Esta área, onde ficam nossas fronteiras com a Colômbia, o Peru e a Bolívia, merecerá maior atenção por conta de crimes internacionais, especialmente os relacionados ao narcotráfico. A intensificação da presença militar junto às fronteiras da porção setentrional do país está ligada não só a eventuais ameaças externas, mas também destina-se a fiscalizar, no território brasileiro, áreas legalmente demarcadas interditas à livre ocupação (unidades de conservação e terras indígenas), estabelecidas para proteger o patrimônio ambiental e étnico-cultural.

O segundo grande eixo do Plano refere-se à reorganização da indústria nacional de material bélico. O plano sugere a elaboração de um marco regulatório, com tributação especial para as empresas privadas de defesa, de modo a assegurar a continuidade nas compras públicas. O Estado passaria a ter um poder estratégico sobre as empresas, podendo impor listas de equipamentos a partir dos interesses nacionais. Em contrapartida, haveria até mesmo a hipótese de liberação dessas empresas das regras gerais das licitações públicas.

Uma grande ênfase é dada à meta de compartilhar o conhecimento das tecnologias sensíveis de defesa nas parcerias com empresas estrangeiras. Essas parcerias deverão se basear no critério de cooperação e atender ao objetivo de ampliar as capacitações tecnológicas nacionais, reduzindo a dependência de insumos bélicos produzidos no exterior.

O terceiro eixo do Plano diz respeito à composição das forças militares de defesa. A proposta é que seja mantido o serviço militar obrigatório, mas sugere-se que as Forças Armadas sejam as responsáveis pela seleção dos mais bem preparados. Tal seleção será pautada por dois critérios: a combinação do vigor físico com a capacitação analítica e a representatividade de todas as classes sociais e regiões do país. Os que não forem incorporados ao serviço militar poderão prestar serviços sociais, atividades que poderão ser realizadas em regiões diferentes das de origem dos convocados.

A estratégia proposta tem o horizonte de 50 anos e envolve uma revisão nos recursos do orçamento nacional destinados ao Plano, além de exigir estreita cooperação entre vários ministérios. Dada a complexidade do tema, dos obstáculos e dos interesses envolvidos, as discussões para a aprovação do Plano de Defesa certamente se estenderão por um longo tempo.