quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

E as vezes nos perguntamos: Por que ele é tão popular?

Publicada no último sábado, dia 20 de dezembro, a lista teve pouco destaque na mídia brasileira. Por que será? No editorial da edição 17 da Brasileiros, o diretor de redação Hélio Campos Mello lembra que Lula foi o mais bem avaliado entre os líderes latino-americanos, em pesquisa da ONG chilena Latinobarómetro. Nenhum destaque no Brasil. Por que será?

Confira a lista completa da Newsweek:
1. Barack Obama (presidente eleito dos EUA)
2. Hu Jintao (presidente da China)
3. Nicolas Sarkozy (presidente da França)
4-5-6. "Triunvirato Econômico" (formado por 4. Ben Bernanke, presidente do Fed, 5. Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), e 6. Masaaki Shirakawa, presidente do BC japonês)
7. Gordon Brown (primeiro-ministro britânico)
8. Angela Merkel (premiê alemã)
9. Vladimir Putin (primeiro-ministro russo)
10. Abdullah bin Abdulaziz Al-Saud (rei da Arábia Saudita)
11. Ayatollah Ali Khamenei (líder religioso do Irã)
12. Kim Jong Il (líder norte-coreano)
13-14. "Os Clintons" (13. Hillary Clinton, ex-primeira dama e atual Secretária de Estado dos EUA e 14. Bill Clinton, ex-presidente dos EUA)
15. Timothy Geithner (Secretário de Tesouro dos EUA)
16. General David Petraeus (comandante das tropas americanas no Iraque)
17. Sonia Gandhi (presidente do Partido do Congresso da Índia)
18. Luiz Inácio Lula da Silva (presidente brasileiro)
19. Warren Buffett (megainvestidor bilionário)
20. Gen. Ashfaq Parvez Kayani (comandante do exército paquistanês)
21. Nuri al-Maliki (primeiro-ministro do Iraque)
22-23. Bill e Melinda Gates (criador da Microsoft e esposa)
24. Nancy Pelosi (presidente da Câmara dos Deputados dos EUA)
25. Khalifa bin Zayed Al Nahyan (presidente dos Emirados Árabes)
26. Mike Duke (executivo-chefe da rede Wal-Mart)
27. Rahm Emanuel (chefe de gabinete de Obama)
28. Eric Schmidt (presidente-executivo do Google)
29. Jamie Dimon (diretor-executivo do JPMorgan Chase)
30-31. Amigos de Barack Obama (assessores do presidente eleito dos EUA David Axelrod e Valerie Jarrett)
32. Dominique Strauss-Kahn (diretor-gerente do FMI)
33. Rex Tillerson (executivo-chefe da Exxon Mobil)
34. Steve Jobs (executivo-chefe da Apple)
35. John Lasseter (diretor de criação da Pixar)
36. Michael Bloomberg (prefeito de Nova York)
37. Papa Bento 16 (líder da Igreja Católica)
38. Katsuaki Watanabe (presidente do grupo Toyota)
39. Rupert Murdoch (magnata de mídia)
40. Jeff Bezos (diretor-executivo da Amazon)
41. Shahrukh Khan (considerado o ator mais conhecido de Bollywood)
42. Osama bin Laden (terrorista mais procurado do mundo)
43. Hassan Nasrallah (xeque líder do Hizbollah)
44. Dr. Margaret Chan (diretora da OMS, a Organização Mundial da Saúde)
45. Carlos Slim Helú (magnata mexicano de telecomunicações)
46. Dalai Lama (líder espiritual tibetano)
47. Oprah Winfrey (apresentadora de TV)
48. Amr Khaled (telepregador egípcio)
49. E. A. Adeboye (pregador pentecostal da Nigéria)
50. Jim Rogers (megainvestidor e ex-sócio de George Soros)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Artigo brilhante de Demétrio Magnoli.

A cidade no alto da colina

Dez anos depois da viagem fundadora dos peregrinos do Mayflower, de 1620, John Winthrop liderou um grupo de puritanos que estabeleceram uma colônia na Nova Inglaterra. A bordo do navio Arbella, pouco antes do desembarque, ele pronunciou um sermão que se tornaria célebre pela passagem: “nós devemos ser como uma cidade brilhante no alto da colina”. Os puritanos ingleses julgavam que sua pátria perecera moralmente por ter rompido o pacto com Deus e prometiam começar tudo de novo na América do Norte, oferecendo aos cristãos da Europa um exemplo de pureza. Não demorou para que a metáfora da cidade-farol fosse preenchida com significados ausentes do sermão original: democracia, liberdade, oportunidade.
Todas as nações são excepcionais, no sentido de que cada uma é o fruto de uma narrativa fundadora singular. Mas nenhuma outra proclama incessantemente essa condição. Três décadas depois da ancoragem do Arbella, com o coração devastado, começaram a chegar na “cidade brilhante” os radicais de Oliver Cromwell. Aqueles revolucionários cristãos e republicanos devotaram suas vidas à idéia de acender o fogo da liberdade por toda a Europa, destruindo as opressoras monarquias católicas e cobrindo o mundo com a tenda da Commonwealth. Contudo, os Atos de Navegação e a conciliação entre o Lorde Protetor e os poderes europeus encerraram a revolução. Os profetas remanescentes transferiram-se para o outro lado do oceano, onde juntaram os gravetos de uma nova fogueira. Cem anos mais tarde, utilizando a linguagem do século das Luzes, os pais fundadores inscreveram a idéia da reforma do mundo na Declaração de Independência.
No seu discurso de despedida, Ronald Reagan mencionou a cidade encarapitada na colina e a jornada de Winthrop “à procura de um lar que seria livre”. Um a um, os presidentes dos EUA, democratas ou republicanos, retomaram a nota do excepcionalismo e reafirmaram o compromisso com a reforma do mundo. Os fundamentos filosóficos de política externa dos EUA estão mais apartados daqueles das potências européias que a Lua da Terra. Enquanto os europeus traduziram o interesse nacional nos termos da Realpolitik e entregaram-se quase sempre ao cálculo geopolítico, os americanos enveloparam as suas políticas, mesmo as mais estreitamente egoístas, em grandiosas proclamações de valores universais. É um atestado da audácia da ignorância ou de um primitivo anti-americanismo descartar no lixo destinado à retórica vazia tudo que disseram os líderes americanos durante dois séculos.
George W. Bush usou seu segundo discurso inaugural, pronunciado no ponto mais baixo da aventura iraquiana, para enviar uma mensagem a “todos os que vivem sob tirania e desespero”. Ele disse: “quando vocês se erguerem pela liberdade, nos ergueremos com vocês”. Era o tempo de Abu Ghraib e dos memorandos de legalização da tortura, denúncias incontornáveis da farsa contida na idéia da reconstrução democrática do mundo por meio da força militar da Nova Roma. Mas nem sempre o conceito de missão da política externa americana foi expresso como a predestinação de implantar um protetorado mundial.
Woodrow Wilson, inspirado pela idéia kantiana da “liga da paz”, fez da proposta da Liga das Nações a síntese de sua plataforma de uma paz “sem vencidos ou vencedores”, numa Conferência de Paris de 1919 contaminada pelo desejo de revanche. Em 1928, o secretário de Estado Frank Kellogg só aceitou firmar um pacto de segurança esboçado pelo francês Aristide Briand depois de convertê-lo num utópico tratado geral de proscrição da guerra. No fim da Segunda Guerra Mundial, Franklin Roosevelt, erguendo-se sobre os ombros de Wilson, redesenhou a liga fracassada como as Nações Unidas. A ex-primeira-dama Eleanor Roosevelt presidiu o comitê de redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o tratado de inauguração da era dos direitos humanos que completa 60 anos em dezembro. Tais iniciativas não exprimem apenas virtudes e cada uma delas inscreve-se também numa moldura de interesses geopolíticos, mas todas são testemunhos de um desejo de liderar a partir do “poder persistente de nossos ideais”.
Projeto para um Novo Século Americano é o nome de um instituto político neoconservador criado em 1997 por Bill Kristol e Robert Kagan, que fechou suas portas há dois anos, num eloqüente sinal simbólico da falência do governo Bush. No seu discurso de Chicago, Obama dirigiu-se a “todos que me escutam esta noite, além de nossas praias” para dizer que “nossas histórias são singulares, mas nosso destino é compartilhado – e uma nova aurora de liderança americana está à mão”. O novo presidente, como seus antecessores, imagina-se o representante da cidade que brilha no alto da colina. Num mundo marcado pela ascensão chinesa, pela restauração de uma ditadura na Grande Rússia e pela deturpação jihadista do Islã, esta pode ser uma boa notícia. Com a condição de que a Casa Branca de Obama, em direção oposta à de Bush, evidence o “respeito decente pelas opiniões da humanidade” apregoado na Declaração de Independência.

Demétrio Magnoli

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O peso e a influência das 12 maiores metrópoles brasileiras

Não apenas por sua população (19,5 milhões de habitantes em 2007), mas, sobretudo por sua influência sobre outras cidades e regiões, algumas a mais de 3,5 mil quilômetros de distância, a região metropolitana de São Paulo é a única a receber a denominação de grande metrópole nacional, de acordo com a classificação adotada pelo IBGE. Sua área de influência abrange o Estado de São Paulo, parte do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas Gerais e se estende por Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Os 1.028 municípios sob influência de São Paulo abrigam cerca de 28%da população brasileira e são responsáveis por aproximadamente 40,6% do PIB do País.

Num segundo nível hierárquico de identificação de redes urbanas, que o IBGE denominou de "metrópole nacional", estão Rio de Janeiro (11,8 milhões de habitantes na área metropolitana e 14,4% do PIB nacional) e Brasília (3,2 milhões de habitantes, 6,9% do PIB).

Os outros nove núcleos urbanos mereceram uma terceira classificação, batizada simplesmente de "metrópole". Dentre eles, há alguns que têm maior peso na geração do PIB nacional do que Brasília, como são os casos de Curitiba (9,9%), Porto Alegre (7,4%) e Belo Horizonte (7,5%). Mas estão com classificação inferior à de Brasília por causa dos critérios que o IBGE utilizou para estabelecer a hierarquia dos grandes centros urbanos.

Entre esses critérios estão, por exemplo, a presença de órgãos públicos, a localização de grandes empresas, a oferta de vagas no ensino superior e serviços de saúde e a existência de emissoras de televisão aberta com programação própria.

Na administração pública, o estudo procurou identificar as relações de subordinação administrativa na área federal. No setor privado, buscou a localização das sedes e das filiais das grandes empresas, para tentar estabelecer a relação de dependência de uma unidade em relação à outra. Neste último aspecto, pode-se constatar a grande concentração do poder econômico das cidades de São Paulo e no Rio de Janeiro. A primeira abriga cerca de 73% das sedes das 500 maiores empresas enquanto a segunda sedia 23% delas.

Do cruzamento dessas informações resultaram em muitas áreas de influência urbana superpostas. Por exemplo, certas regiões de Minas Gerais, como a área conhecida como Zona da Mata Mineira, são influenciadas tanto por Belo Horizonte como pelo Rio de Janeiro.

O estudo identificou também um terceiro nível de núcleos urbanos denominado "capitais regionais", que correspondem a 70 centros que se relacionam com as metrópoles, mas influenciam um número variável de aglomerados urbanos de níveis inferiores. Num nível ainda menor o IBGE apontou a existência de 169 centros sub-regionais, com atividades menos complexas e com área de influência mais reduzida; outras 556 cidades foram consideradas centros de zona, com atuação restrita a alguns poucos municípios vizinhos. Por fim, as demais 4.473 cidades que são sedes de municípios foram consideradas centros locais, cuja atuação não vai além de seus próprios limites municipais.

O peso demográfico* e econômico* das 12 maiores metrópoles brasileiras

Metrópole % da população % do PIB
São Paulo 28,0 40,6
Rio de Janeiro 11,3 14,4
Brasília 2,5 4,3
Manaus 1,9 1,7
Belém 4,2 2,0
Fortaleza 11,2 4,5
Recife 10,3 4,7
Salvador 8,8 4,9
Belo Horizonte 9,1 7,5
Curitiba 8,8 9,9
Porto Alegre 8,3 9,7
Goiânia 3,5 2,8
Fonte: IBGE
*Obs: a soma não perfaz 100% por conta de superposição de áreas de influência das diferentes metrópoles.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Um plebiscito sobre a natureza da nação.

Os republicanos entraram na corrida presidencial no pior dos cenários, com um presidente ostentando recordes negativos de aprovação, duas guerras mal paradas e o espectro de uma recessão cujas dimensões só mais tarde se tornaram patentes. A derrota era o resultado normal – e ninguém se espantaria com uma derrota aplastante. McCain tinha duas estradas para tentar um improvável “assalto ao céu”.
A primeira: convocar o legítimo McCain e conduzir uma campanha de alto nível, afrontando a direita republicana e apelando aos independentes que formam o centro político dos EUA. A segunda: renunciar à sua história e identidade, unificando os republicanos em torno de um discurso de fronteira, articulado como uma guerra cultural. A seleção de Sarah Palin para a vice-presidência assinalou a escolha da segunda estrada e o ocaso do McCain original.
Torta de maçã, música country, criacionismo, Deus, armas. Sob o influxo de Palin, a “América profunda”, das cidadezinhas rodeadas de plantações, que ela batizou como a “América verdadeira”, ergueu-se contra o senador “esnobe” e cosmopolita de Chicago. Nós e eles: a guerra de Palin traçou um risco no chão para dividir os americanos de verdade dos “estrangeiros” de Obama. Aos poucos, McCain converteu-se apenas no vulto de um guerreiro heróico que enterrou seus anos de juventude nas selvas do Vietnã.
Obama não é como nós. Esta linha de ataque significa, antes de tudo, que ele tem a cor da pele errada. A sentença não precisa ser pronunciada: é um subtexto e a fonte última de uma curiosa confiança na surpresa que uma parcela suficiente dos eleitores supostamente prepara para a hora da verdade.
“Barack Hussein Obama”. Um xerife uniformizado introduziu McCain e Palin num comício na Flórida pronunciando o nome inteiro do inimigo – e acentuando o primeiro sobrenome. O homem é um muçulmano, diz um boato envolvente. “Não, madame, ele é de uma família cristã decente”, retrucou o próprio McCain diante da inconveniente pergunta direta de uma eleitora. Essa linha parece ter sido a gota que transbordou o copo de mágoas de de Colin Powell, o velho general republicano e amigo de décadas do “legítimo McCain”. “A resposta correta é que Obama sempre foi um cristão. Mas a resposta realmente correta é: E se fosse? Um garoto americano muçulmano não pode sonhar em ser presidente dos EUA?”, indagou devastadoramente ao declarar seu voto no democrata.
“Obama anda por aí se acumpliciando com terroristas”. A linha final de ataque saiu da boca de Palin, enquanto a propaganda republicana na tevê sugeria a existência de um segredo compartilhado entre Obama e o velho Bill Ayers, um estudante radical nos tempos da Guerra do Vietnã que promoveu esparsos atos de violência quando Obama chupava pirulito e vestia calças curtas. O fantasma de Ayers surgiu na campanha na hora em que se apagava o de Jeremiah Wright, o ex-pastor cheio de fel, e pouco antes da aparição de Rashid Khalidi. O que há num nome? Khalidi é um acadêmico renomado, tão americano quanto McCain, mas as origens palestinas de sua família e o fato de servir como conselheiro dos palestinos nas negociações de paz com Israel poderiam sugerir à “América verdadeira” que se trata de mais um camarada terrorista de seu amigo Hussein Obama.
“A cidade brilhante no topo da colina”, isto é, os EUA, na metáfora célebre emanada de um sermão de 1630 do colono puritano John Winthrop, continua a figurar como uma esfinge a ser decifrada. Nenhuma campanha presidencial anterior havia se tornado tão nitidamente um exercício de tradução da natureza daquela cidade. Palin e um triste McCain oferecem a visão de uma fortaleza murada, assediada por uma horda de bárbaros que seguem a bandeira devassa de Obama. Será trágico se, contra todos os prognósticos, uma maioria do eleitorado alinhar-se atrás de uma tal representação da cidade encarapitada na colina.


Demétrio Magnoli

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Petróleo e gás no mar Aral, sonho envolto num pesadelo

No início da década de 1960, o mar de Aral tinha uma superfície de cerca de 66,5 mil km2 (mais ou menos três vezes o tamanho de Sergipe, o menor estado do Brasil), sua profundidade média era de 16 metros e sua salinidade era 1/3 mais baixa que aquela registrada geralmente nos oceanos. Dois rios principais lançam suas águas no Aral: o Amu Daria, ao sul e o Sir Daria a nordeste. Esses rios, as duas principais fontes de recursos hídricos da região, têm suas nascentes nas altas montanhas que distam cerca de 1.000 km. da foz.

O ouro branco, como alguns denominam o algodão, foi introduzido na região durante o período czarista, mas seu cultivo passou a ser incentivado pelos lideres da União Soviética a partir dos anos 1960. Desde então, o Uzbequistão se transformou num dos maiores produtores de algodão do mundo. Esse sucesso econômico provocou e continua provocando danos enormes ao meio ambiente e às populações da região.

Mesmo após a independência do país em 1991, o governo uzbeque continuou detendo o monopólio das exportações, não deixou de incentivar a produção, permaneceu estabelecendo planos de colheita e a conseqüência de tudo isso é a falta de novas alternativas econômicas.

Em termos ambientais, o desastre pode ser avaliado por uma série de dados. Na década de 1980, o fluxo de água do rio Amu Daria era de apenas 10% daquele que era registrado vinte anos antes de iniciada a utilização intensiva da técnica de irrigação. Desde a segunda metade da década de 1990, nenhuma gota de água do Amu Daria tem chegado ao Aral. A interrupção do fluxo de água combinado com a forte evaporação e a pouca chuva fizeram diminuir a superfície do mar em cerca de 65%. Como conseqüência, seu volume decresceu em 80% e a profundidade média reduziu-se drasticamente.

O recuo da superfície do mar foi deixando milhares de hectares de áreas desérticas, recobertas por sais, alguns deles tóxicos, que os ventos dispersam por uma vasta região. A água residual do mar, assim como aquelas do curso inferior dos rios tiveram seu teor de sal aumentado assim como a carga de resíduos químicos e bacteriológicos fruto da utilização abusiva de adubos, pesticidas e outros produtos químicos.

À catástrofe ambiental, aliou-se a decadência econômica e social da região que já figurava como uma das mais pobres de toda União Soviética. Estima-se que pelo menos um milhão de pessoas já estão ou estarão nos próximos anos expostas a ameaças de poluição tóxica, resultantes de uma múltipla contaminação química, que afeta especialmente mulheres e crianças.

O mar de Aral, sempre foi o centro de um ecossistema alimentado pelas águas de seus dois principais cursos fluviais. Esse conjunto não mais existe como unidade. A prova disso é que atualmente a superfície líquida do Aral está dividida em três partes. A primeira, ao norte, no território do Cazaquistão, voltou a se encher de água graças a um dique artificial. As outras duas, no interior do território uzbeque, continuam a ver reduzida sua lâmina d’água.

No entanto, desde 2007, essas duas últimas áreas começaram a ser pesquisas por um consórcio de empresas ligadas à exploração petrolífera que procura por hidrocarbonetos no fundo das águas e nos terrenos salinizados adjacentes, já que o mar recuou quase 150 quilômetros desde sua antiga margem.

Embora as informações sobre o potencial de recursos em hidrocarbonetos do Aral ainda sejam escassas, pesquisas geofísicas realizadas até agora levam a prever um grande investimento que permitiria aumentar as perspectivas de exploração do gás até 2010.

A área que se pretende explorar abrange toda a superfície uzbeque do mar, isto é, cerca de 18 mil quilômetros quadrados (mais ou menos do tamanho de Sergipe), entre a parte oriental, a ocidental e a ilha de Vozrozhdenie que é, na verdade, uma península situada entre ambas. Na época soviética, a ilha de Vozrozhdenie foi uma importante área militar, onde se desenvolviam experiências com armas biológicas e que foi fechada em 1992.

As explorações geofísicas realizadas recentemente permitiram comprovar o constante “encolhimento” do Aral. Em um ano, a linha da costa retrocedeu 60 metros e a superfície desceu 30 centímetros. A parte ocidental do mar, com profundidade máxima de 40 metros, tem uma concentração de até 114 gramas de sal por litro. A parte oriental, com apenas dois metros de fundo, é praticamente uma salmoura.

Muitos habitantes da região apóiam a exploração dos hidrocarbonetos, e esperam que parte dos lucros advindos da exploração destine-se à recuperação do ecossistema e promovam a melhoria das condições de vida da população.

Todavia, a falta de um plano comum de cooperação entre os países da região (Tajiquistão, Quirguistão, Turcomenistão, além do Uzbequistão e Cazaquistão), cujos territórios são cortados pelos rios Amu Daria e Sir Daria tem gerado tensões hidroconflitivas entre eles, já que não se têm conseguido um acordo que estabeleça normas de um sistema de exploração racional e conjunta dos recursos hídricos existentes.

Como as geleiras no alto vale desses rios, situadas nas montanhas do Quirguistão e Tajiquistão vêm diminuindo estão se avolumando problemas entre os países situados na parte superior dos rios, interessados na produção de energia hidrelétrica, e os países situados à jusante, interessados na irrigação.

Por exemplo, no Uzbequistão crescem as suspeitas de que o vizinho Turcomenistão, localizado à montante, retenha mais água do Amu Daria do que necessita para alimentar projetos imobiliários luxuosos que incluem a criação de um lago artificial, reduzindo ainda mais o fluxo do rio.

Nesta e em várias outras áreas do mundo, a escassez do “ouro azul” torna-se cada vez mais o motivo de conflitos e tensões geopolíticas.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A nação perdida

Mas as políticas étnicas bolivianas – conduzidas, em sentidos contrapostos, por Evo Morales e pela elite dirigente de Santa Cruz – não expressam teimosas realidades ancestrais: as identidades ameríndia, no Altiplano, e camba, no Oriente, são invenções recentes que funcionam como ferramentas no jogo de poder. Os plebiscitos que confirmaram o mandato do presidente, bem como os dos governadores oposicionistas do Oriente, atestam o triunfo dos dois lados na fabricação de identidades étnicas contrastantes. Para azar da Bolívia.
Não se deu a merecida atenção às fotografias das sessões da Assembléia Constituinte boliviana da qual emanou o texto constitucional que figura como pomo da discórdia. Os deputados da maioria exibiam vestimentas ameríndias tradicionais, algo que só não provoca estranheza a quem desconhece a Bolívia. Os ameríndios são 5 milhões, entre 9,1 milhões de bolivianos. Hoje, metade deles vive nas cidades. El Alto, a “cidade indígena” na periferia de La Paz, já tem 870 mil habitantes, que fazem da internet um nexo entre o mundo e as comunidades aymarás dos povoados do Altiplano. A língua espanhola, que foi o idioma apenas dos brancos e mestiços, atualmente é tão utilizada pelos índios quanto o quechua e o aymará. Os ameríndios bolivianos não usam mais vestimentas “indígenas”, exceto para vender produtos a turistas ou se são representantes de um projeto étnico na Assembléia Constituinte.
A “Bolívia ameríndia” é uma ruptura identitária. Os mineiros do estanho que deflagraram a Revolução Boliviana de 1952 tinham origem indígena, mas se definiam como trabalhadores e bolivianos, não como índios. O próprio Evo Morales alçou-se à notoriedade atuando como liderança sindical dos camponeses “cocaleros”. Foi só mais tarde, quando iniciou a jornada rumo à presidência, que ele se aliou aos arautos de um “renascimento aymará” e a ONGs multiculturalistas internacionais. Dessa aliança nasceu o projeto de uma “Bolívia plurinacional”, agora consagrado na letra de uma Constituição que acende a fagulha da guerra civil.
“Elite branca” – esse é o epíteto usado pelos governistas para fazer referência aos oposicionistas da “Meia-Lua” boliviana. Entretanto, nos departamentos orientais, elites e povo não se enxergam como brancos, mas como mestiços cambas. O movimento camba nasceu como reação à Revolução Boliviana dos mineiros de estanho, fabricando uma suposta identidade ancestral para o povo do Oriente. Segundo essa narrativa romântica, os cambas seriam os frutos da miscigenação entre brancos de origem espanhola e guaranis das terras baixas. O relicário de imagens dos guaranis “ancestrais” desempenha, em Santa Cruz, funções simbólicas paralelas às das “nações originárias” ameríndias em La Paz.
A ascenção de Evo Morales, portando a bandeira da restauração das “nações originárias”, forneceu combustível para a transformação do projeto identitário camba num movimento popular. Evo e os seus continuam a crismar os opositores como “minoria oligárquica”, mas sabem que não é bem assim. Eis o motivo pelo qual, diante das alternativas da repressão e da negociação, optaram pela segunda.
Paradoxalmente, a natureza trágica do impasse boliviano decorre da convergência de fundo entre La Paz e Santa Cruz, sintetizada na fórmula da “Bolívia plurinacional”. Essa fórmula significa que todos estão de acordo em renunciar à nação boliviana. De acordo com ela, a Bolívia não existe, a não ser na forma de uma entidade territorial: uma moldura geográfica habitada por nações distintas, em tudo apartadas. O consenso da renúncia molda os dissensos políticos capazes de ensangüentar o país.
Nos tempos da Revolução Boliviana, a riqueza da Bolívia estava incrustada no subsolo do Altiplano indígena, sob a forma de extensos veios de cassiterita. Hoje, a riqueza encontra-se nos depósitos de hidrocarbonetos do subsolo do Oriente camba. Na cúpula da Unasul, dias atrás, Evo Morales defendeu a “unidade” do país e acusou os opositores de tramarem a “divisão”. Na sua tradução da “Bolívia plurinacional”, as “nações” bolivianas têm direito à autonomia, mas a “unidade” repousa sobre o controle central dos recursos naturais e das rendas dos hidrocarbonetos. Os governadores da “Meia-Lua”, por sua vez, exigem que essas rendas sejam subordinadas ao princípio da descentralização e aos privilégios autonômicos departamentais.
A nação, nas palavras de Benedict Anderson, é uma “comunidade imaginada”. Os bolivianos imaginaram-se como integrantes de uma nação única mesmo nas turbulências incessantes de quase toda a segunda metade do século 20. Agora, em virtude das opções de suas elites políticas, tanto a do Altiplano quanto a do Oriente, imaginam-se como soldados de nações étnicas separadas pela fronteira intransponível do sangue. Na cúpula da Unasul, Hugo Chávez atribuiu a crise à “ingerência do império americano” e a “uma espécie de greve” do comando militar boliviano. Mas, apesar do que pensa o venezuelano, a crise é nacional e os chefes militares comandam um exército rachado de alto a baixo pela mesma linha de corte que divide a nação.
Manifestando seu respaldo ao governo de Evo Morales, o presidente equatoriano Rafael Correa prometeu que a América Latina não permitirá a conversão da Bolívia nos “Bálcãs”. Ninguém, exceto os bolivianos, tem o poder de realizar esse desejo. Mas não será fácil, pois o requisito é uma renúncia à renúncia. Depois de tudo, alguém ainda quer ser simplesmente boliviano?

Demétrio Magnoli

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

MANCHETE DO G1

Inflação anual no Zimbábue chega a 231.000.000%
Inflação no mês anterior havia sido de 11,2 milhões por cento.
Autoridades já tentaram diversas medidas para conter escalada

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Valeu.


O mais votado vereador do PT em Salvador.
Nesse eu acredito, esse vai ajudar a mudar Salvador.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Uma linha no mapa.

Muito antes da existência da URSS, a Rússia traçou uma fronteira de segurança que situa-se além de sua fronteira política. Ao longo de séculos, forças armadas russas estabeleceram-se no “talude” estratégico delimitado pelas duas fronteiras. Na Europa, a construção do “talude” deve-se a Pedro I, entre 1689 e 1725, com a conquista de Kiev e do vale do Dnieper, na Ucrânia e Belarus, que foi o berço do Estado russo original. Na segunda metade do século 18, Catarina II alargou-o, conquistando a Criméia turca e a Lituânia polonesa. No início do século seguinte seriam implantados os “taludes” do Cáucaso e da Ásia Central muçulmana.
A aventura imperial não teve um sentido puramente territorial. Desde a queda de Constantinopla, a Rússia definiu-se como a “Terceira Roma” e engajou-se no “destino manifesto” de expansão da civilização cristã. O parêntesis soviético não apagou a velha chama. Sob os auspícios da TV estatal russa, Tikhon Shevkunov, superior do mosteiro de Sretensky e confessor de Putin, produziu o documentário “A destruição do império: uma lição bizantina”, que a pretexto de investigar a destruição de Bizâncio delineia um programa de restauração da Grande Rússia. Exibido com grande sucesso de público, o filme encontra na cooperação com o Ocidente as fontes da doença que envenenou a “Segunda Roma” e aponta no saque das riquezas de Bizâncio e na usura dos judeus as origens do capitalismo ocidental. A mensagem evidente da contrafação histórica de Shevkunov é que a Rússia deve resistir à ofensiva do Ocidente, fechar-se às influências corruptoras e proteger o patrimônio territorial legado por Pedro e Catarina.
Mesmo nos tempos de Boris Yeltsin, os russos não esconderam a regra do jogo. Na hora da implosão da URSS, Moscou traçou a sua linha vermelha no mapa, circundando a Comunidade de Estados Independentes (CEI). A CEI jamais existiu para qualquer finalidade que não fosse a de evidenciar a presença perene de uma fronteira estratégica. Os russos irritaram-se com a decisão de Bill Clinton de incorporar à OTAN os países do antigo bloco soviético e os Estados Bálticos, gemeram diante dos sucessivos cortes de tesoura que amputaram a Sérvia e clamam aos céus contra a instalação de mísseis anti-mísseis americanos na Polônia e República Tcheca. Mas nada disso equivale a avançar sobre o “Exterior Próximo”, que é como o Kremlin nomeia o “talude” de repúblicas da CEI. Bush devia saber – ou alguém precisava ter lhe contado.
Putin e os seus não acreditam em levantes democráticos. Em 2003, na Geórgia, a “revolução das rosas” transferiu o poder para o pró-ocidental Mikheil Saakashvili. No ano seguinte, a “revolução laranja”, que sacudiu a Ucrânia e gerou o governo também pró-ocidental de Viktor Yuschenko, foi interpretada em Moscou como uma conspiração americana contra o berço ancestral da Rússia. Inebriados pelos sucessos efêmeros no Iraque, os neoconservadores imaginaram que se abriam os portais para um novo avanço tentacular da OTAN. Agora, eles reagem com uma cacofonia impotente de dor e fúria.
Quando Saakashvili moveu suas tropas para dentro da região separatista da Ossétia do Sul, ele jogava no tabuleiro da geopolítica acreditando que tinha o respaldo de Washington. A contra-ofensiva da Rússia, que destroçou as forças georgianas e brutalmente atingiu cidades e civis, obedeceu ao mesmo paradigma da realpolitik. Depois de tudo feito, os atores transferiram-se para o tabuleiro dos princípios e encenaram uma farsa que ainda prossegue. Saakashvili invocou a soberania nacional. Bush e John McCain ecoaram suas palavras, subitamente esquecidos de que o mesmo argumento emanou de Slobodan Milosevic quando se tratava de Kosovo. Putin, de seu lado, invocou o direito de autonomia dos ossétios do sul, muitos dos quais ganharam recentemente passaportes russos, e ouviu do ministro do exterior sueco que uma justificativa similar foi utilizada um dia por Hitler.
A simetria é digna de nota. Nos Bálcãs, Washington ergueu a velha divisa de Woodrow Wilson e sustentou a separação da província sérvia de Kosovo sobre a base do “direito das nacionalidades”. No Cáucaso, por coerência, precisaria defender o direito dos ossétios do sul à independência, mas preferiu proclamar os direitos soberanos da Geórgia. Moscou, que nunca admitiu o princípio wilsoniano e denunciou a espoliação da soberania sérvia, descobriu agora um direito dos povos superior à vontade dos Estados.
Apesar de tudo, a simetria é incompleta. Sob o patrocínio dos EUA e da União Européia, Kosovo foi proclamado um país soberano. Moscou não pretende promover a independência da Ossétia do Sul ou a sua fusão com a república russa da Ossétia do Norte. As duas alternativas abririam um perigoso precedente wilsoniano no Cáucaso setentrional russo, onde se situa a Chechênia, e sobretudo eliminariam um motivo crucial para a presença de tropas russas na Geórgia. No fim das contas, Moscou acredita mesmo é na soberania do Estado – ou, para ser exato, na exclusiva soberania da Grande Rússia no seu “Exterior Próximo”.
O jogo já pode recomeçar. Todos os jogadores agora conhecem as regras.

Demétrio Magnoli

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Como se batiza as tempestades tropicais e os furacões.

Gustav, Hanna, Ike... a denominação destes fenômenos climáticos segue regras bem precisas.
Há seis listas anuais de nomes para o Atlântico Norte, estabelecidas pelo Central Nacional de Furacões (NHC) de Miami (Flórida). Cada uma tem 21 nomes ingleses, espanhóis e franceses, em referências aos países do Atlântico.
A primeira tempestade tropical da estação tem um nome que começa com "A", e a oitava com "H", como Hanna, atualmente próxima das Bahamas e que é seguido por "Ike".
As letras Q, U, X, Y e Z são excluídas porque não há nomes correspondentes o bastante para elas.
A primeira tempestade tropical a ser batizada foi na Austrália, no início do século XX, por um meteorologista que usou o nome de um político de que não gostava para identificá-la. Mas ainda não havia regra alguma para isso.
Durante a II Guerra Mundial, os militares americanos começaram a batizar regularmente as tempestades no momento de sua aparição nas zonas tropicais. Eles davam nomes de suas esposas ou de suas namoradas.
Em 1950, o Escritório de meteorologia americano decidiu dar sistematicamente nomes aos ciclones, e durante dois anos eles foram batizados segundo o alfabeto.
A partir de 1953, começaram a ser utilizados os nomes de mulheres, mas as associações feministas dos EUA se queixaram, considerando o uso destes nomes associados a palavras pejorativas como "devastador" prejudicial à imagem da mulher. Foi assim que em 1979 começou-se a alternar os nomes femininos e masculinos.
As mesmas listas são reutilizadas a cada seis anos, com uma particularidade: os nomes dos furacões que deixaram inúmeras vítimas não são reutilizados. Sendo assim, não há mais Katrina, Rita ou Mitch (que acabou virando Matthew na nova lista).
No caso de um ano recorde, com um número de tempestades tropicais maior que 21, como em 2005, as tempestades seguintes usam o alfabeto grego, começando por Alpha.
Para os meteorologistas, alguns nomes continuam nas memórias pelas destruições que causam em sua trajetória ou por sua força: Flora (1963), Gilbert (1988), Hugo (1989), Andrew (1992)...

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Idéias - José Arbex Jr

O novo está aqui, na América Latina

José Arbex Jr. – Como explicar o ataque da Colômbia ao Equador?
Temos ai um momento crucial de um processo que já vem se desenrolando desde a eleição do presidente Chávez, reforçado pela eleição, no Equador, do presidente Correa: uma série de governos tende para uma posição de maior independência em relação aos Estados Unidos. De outro lado, o governo colombiano funciona como a ponta de lança política dos Estados Unidos na América do Sul. Mais cedo ou mais tarde, essa situação chegaria a um ponto critico. É uma situação que condensa conflitos internos às sociedades sul-americanas, conflitos de governos sul-americanos com o imperialismo estadunidense, e condensa também conflitos em uma escala mais ampla, que passa pelo jogo estratégico envolvendo a questão do petróleo e a presença dos Estados Unidos no Oriente Médio. Além disso, há também o antigo fato de que uma guerra pode ser muito útil para um governo desgastado como o de Uribe. Ela pode ser um fator de coesão, um estímulo ao nacionalismo, principalmente quando se associa à pretensa legitimidade da luta contra o narcotráfico.

Explique um pouco melhor o vínculo entre América do Sul e Oriente Médio.
Na medida em que os Estados Unidos têm uma retaguarda tranqüila na América do Sul, principalmente em relação à questão energética, eles podem se concentrar na tentativa de resolver a tremenda encalacrada em que se meteram no Iraque. Se o golpe de 2002 contra Chávez tivesse dado certo, a Casa Branca teria hoje uma retaguarda tranqüila. O problema é que eles estão com a agenda lotada no Oriente Médio e têm uma pedra no sapato, que é o governo da Venezuela.

Como você caracteriza o governo Chávez e o “socialismo do século 21”?
O governo Chávez não é socialista. Durante algum tempo, Chávez deixou muito claro que o socialismo não estava em sua agenda. Ele tentava mostrar que era possível uma alternativa ao neo-liberalismo. De um tempo pra cá, ele começou a falar em socialismo, e ai se cunhou a expressão socialismo do século21. Acho que ela mais confunde do que ajuda a entender o que se passa. A América Latina é hoje um viveiro de grandes lutas sociais. Essas lutas têm um potencial anti-imperialista muito grande, ou, até antes disso, têm um potencial nacionalista muito grande, quando são apropriadas pelas massas populares, que é o que está ocorrendo. Mas, não são lutas que apontam diretamente para o socialismo. Chávez não tem um programa voltado para a expropriação dos meios de produção, para o seu controle pelos trabalhadores e para a instituição de um poder político organizado de modo que os trabalhadores venham a exercê-lo. O socialismo passa por questões que sequer são arranhadas por Chávez. Agora, é claro que nem toda revolução precisa ser socialista. Em tempos de um novo imperialismo como está se configurando desde o final do século 20, uma política de confronto com a principal potência imperialista, uma política voltada para o atendimento ou criação de direitos sociais, em um país onde grande parte da população jamais tinha visto um médico na vida, isso pode ser considerado uma revolução de caráter nacional e democrático, mas ainda não socialista.

A esquerda acusa Chávez de desenvolver um discurso que conduz a uma utopia reacionária: a suposta possibilidade de humanizar o capitalismo. Você acha que Chávez está levando a Venezuela a um desastre?
Ao contrário, acho que ele conduz a luta que até agora considerou ser possível. Posso ter críticas a essa luta, mas não é porque não coincidem com as minhas aspirações que eu vou dizer que é um desastre. O Chávez tem uma imensa criatividade política, capacidade de liderança e ousadia, mas é alguém saído do interior da burocracia de Estado venezuelano, do ramo militar da burocracia. Querer que ele faça a revolução no meu lugar, eu que sou metido a comunista, a socialista, exigir que alguém com o perfil social do Chávez faça por mim o que eu gostaria de fazer e não tenho força, capacidade organizativa, inserção para fazer, eu considero um momento de infelicidade da esquerda. Grande parte da esquerda ainda não percebeu a dimensão do chavismo, em um quadro tremendamente desfavorável das lutas anti-imperialistas no mundo todo.

Você costuma dizer que o neoliberalismo não acabou e que está dando certo no Brasil. O que significa isso?
Basta a gente olhar para São Paulo: o congestionamento do tráfego é permanente, mas não é a chuva que o provoca, e sim o grande aumento da frota. Nunca se vendeu tanto carro, como em 2007, no Brasil. O lucro do Bradesco causa inveja aos banqueiros suíços, e o mesmo vale para a Vale do Rio Doce, que conta com a participação do Bradesco. O setor industrial ligado ao grande capital vai bem, o setor bancário vai bem, o setor voltado para especulação de capital fictício idem, e ao mesmo tempo o governo tem amplo apoio. O prestigio do governo Lula chegou ao auge no começo do ano, e é um prestigio maior ainda junto às classes populares. É tudo o que a burguesia quer: um governo que deixa banqueiro morrendo de rir e deixa grande parte da população satisfeita com as políticas sociais. Antes, o mercado tinha medo do Lula, agora o mercado tem medo que o Lula se vá.

Não é estranho isso tudo estar acontecendo no Brasil, bem no meio de uma crise imensa na sede do capitalismo?
A crise da economia estadunidense já se manifesta há bastante tempo, a diferença é que agora ela se escancarou, por conta não só da dinâmica econômica dos Estados Unidos e da ascensão de outras economias, como no caso da chinesa, mas também pela questão política: o gasto público estadunidense, seja com vistas a manter o poder aquisitivo de parte da sociedade, seja com vistas a financiar aventuras militares no exterior, é um gasto que torna os Estados Unidos um país em frangalhos. Eles estão em declínio econômico e político e a única saída, do ponto de vista da direita neoconservadora, é recorrer à violência para reverter o declínio enquanto há tempo, se é que há. É mais do que natural que empresas que estão em má situação por lá tentem obter lucratividade por diversos meios, inclusive políticos, em outros países. A GM vai bem no Brasil, eles estão tecnicamente falidos nos Estados Unidos, a Ford também, a Toyota já ultrapassou a ambas dentro do território econômico dos Estados Unidos. Elas se aventuram de várias maneiras, inclusive com o apoio do estado estadunidense, em vários lugares do mundo. O deslanche do capitalismo brasileiro tem a ver, em grande parte, com a situação de crise da economia estadunidense, e com a tendência de uma estabilização, que eu não sei por quanto tempo dura, da União Européia também.

Mas você acredita que um capitalismo periférico, como o brasileiro, possa se beneficiar impunemente da crise nos países centrais? Não há o perigo de um período curto de progresso seguido de uma catástrofe?
Pode acontecer. Nós estamos, de fato, vivendo uma situação de curto prazo em todos os aspectos: político, econômico, no plano internacional e nacional. Sabemos que estamos em uma transição, mas não sabemos para onde, porque tudo isso depende de co-relação de forças que estão em andamento.

Então, temos que relativizar a afirmação de que o neoliberalismo vai bem no Brasil, porque na verdade é uma situação transitória...
Mas esse transitório vem desde o governo Collor, passou pelo Itamar, se aprofundou com FHC e se reciclou com o governo Lula. Já temos ai 18 anos de um período de neoliberalismo representado no Brasil como política econômica e como ideologia, assumido não só pelos dominantes, mas também por setores dos dominados.

A estabilidade só foi possível mediante a cooptação de parte da esquerda, em particular do PT e da CUT. E quando a eficácia da receita se esgotar, o que vai acontecer?
Ai vai depender da capacidade de organização das forças que se pretendem alternativas a isso. Mas não são apenas a CUT e o PT que sustentam a política e a ideologia neo-liberal no Brasil. Grande parte da disputa do PT com o PSDB, envolvendo mensalão, dossiês etc e tal, é uma disputa pelo mesmo ponto. O PT, com toda a sua peculiaridade, ainda tem base sindical, uma base de massa que o tucanato não tem, ao passo que o partido disputa hoje as fontes de financiamento e também a base eleitoral que eram do PSDB. Você tem dois litigantes que disputam o mesmo ponto, querem aquele mesmo lugar, a mesma inserção. Foi intolerável para o tucanato ver a facilidade com o que antigos pretendentes a revolucionários se saíram muito bem na disputa. Então eu diria que há um consenso neo-liberal muito mais amplo que envolve a CUT, as suas direções principais, envolve o PT, mas envolve também o tucanato e até grandes contingentes que não têm preocupações e dedicação partidária.

Como explicar que enquanto a América Latina está em ebulição, no Brasil há um quadro estável? Até que ponto você acha que isso pode continuar?
São processos diferentes, nós estamos vivendo um ciclo ainda marcado pelas lutas operárias do final dos anos 70. Como desfecho desse ciclo, tivemos a eleição e a reeleição de um operário para presidente da república. Isso ainda é resultado, uma marola daquela grande onda de lutas operárias que veio lá do final dos anos 70. Em outros países da América Latina, os processos foram distintos. No caso da Bolívia, do México e da Venezuela, você não tem um passado recente de lutas operárias massivas como aconteceu no Brasil, mas sim lutas, por um lado, muito mais antigas, e por outro lado, muito mais conectadas aos desafios típicos do século 21. Esse é o ponto em que Chávez talvez tenha razão em fazer menção ao século 21. Há muita coisa nova acontecendo, incluindo a presença indígena direta na política. Na Bolívia, por exemplo, o movimento indígena praticamente empurrou o Evo Morales. Isso tudo aponta pra uma nova composição das lutas proletárias, semi-proletárias, populares, e esse é o elemento novo, com a participação de povos originários que têm uma imensa capacidade de se comunicar internacionalmente. A expressão “bolivarianismo” aponta pra isso. Ela é meio ideológica, é imprecisa, mas aponta para a necessidade de uma luta que transcenda os limites dos estados nacionais, para uma luta anti-sistêmica. E nós vivemos isso: o movimento camponês ou neo-camponês no Brasil é internacionalista, em um país que tem fraquíssima tradição de internacionalismo. A Escola Nacional Florestan Fernandes acabou de realizar um curso latino-americano em que, durante quatro meses, o idioma que menos se falava era o português. Isso é inédito na história do Brasil.

A tua hipótese surpreende: o auge da modernidade industrial, realizada no Brasil, é atrasado em relação à manifestação do arcaico, que é a cultura indígena na América Latina.
É aquela coisa dos ciclos defasados que estão se encerrando, incluindo o ciclo da hegemonia estadunidense, que abre espaço para esse movimento aqui na América Latina. O encerramento de um ciclo não é algo imediato. Ao contrário. A queda do Muro de Berlim aconteceu em 1989, mas o Partido Comunista Italiano acabou de acabar agora. Nós estamos vendo ainda a Europa sofrer esse vazio que a esquerda não está sabendo preencher. No Brasil também acontece algo muito parecido. Os ciclos, ao se encerrarem, abrem caminho para novas lutas, mas não necessariamente elas vão surgir nos cenários onde as lutas ligadas no ciclo anterior foram mais contundentes. É o que a gente está vendo na América Latina em relação à Europa. Antes, a esquerda olhava para a Europa, hoje os europeus ficam olhando e torcendo para esse ou aquele movimento latino-americano. Já se decepcionaram até com o PT, jogaram muitas ilusões nele, como jogaram no movimento dos piqueteros na Argentina. Mas eles estão mais na torcida, porque é aqui que as lutas estão acontecendo.

E como fica o marxismo nessa brincadeira?
Fica numa situação também complexa, ao mesmo tempo fecunda e desconfortável. Fecunda, porque com a derrocada da União Soviética intensificou-se ou consumou-se um processo que já vinha de longo tempo, de crítica formulada pelos principais intelectuais marxistas ao regime soviético. A consumação desse processo deu aos intelectuais marxistas a liberdade de reflexão maior, e ao mesmo tempo a necessidade de ousar mais, tanto que no caso do Brasil eu acho que é a primeira vez que nós temos grandes, ou potencialmente grandes intelectuais marxistas militantes. Antes, ou o cara era militante e não era um grande intelectual, ou era um grande teórico mas não militava, no máximo tinha uma função marginal no partido. Um exemplo, Caio Prado Junior nunca foi exatamente um cara de decisões centrais dentro do PCB. Um exemplo oposto é o Jacob Gorender: inteligentíssimo sempre, a grande obra teórica dele é feita pós-militância. Agora não, agora você tem, em vários lugares, marxistas militantes e criativos teoricamente. A boa novidade é que o marxismo vai ter que ser recriado. Uma série de lutas do passado não adquirem mais sentido hoje, por exemplo trotskismo versus stalinismo. Agora, qual é o desespero do marxismo hoje? É exatamente a falta de base social. Não adianta ter boas categorias muito bem formuladas se aquilo não ganha massa, e o que nós temos hoje é exatamente essa dificuldade do marxismo ser apropriado pelas massas. Hoje, você tem ativistas sociais que articulam mitos ancestrais, mitos indígenas com formulações marxistas, ou seja, nós estamos em uma época de sincretismo, de ecletismos que são uma expressão desse vazio deixado pelo marxismo anterior, ligado a forças sociais que já não estão tão ativas, estão meio adormecidas e até em fase de reestruturação. Então o marxismo teoricamente tem um potencial muito grande, mas ele só supera a crise pela qual ele se enveredou no século passado, na medida em que ele for apropriado por esses novos movimentos de massa.

O movimento negro brasileiro é um componente desse novo processo global?
Não sou negro, não me identifico como negro, mas acho que o movimento negro no Brasil tem um potencial muito grande, mas de realização ínfima, muito pequena. O neo-liberalismo atinge profundamente o movimento negro, acho lamentável isso. Acho que sem uma identidade negra, orgulhosa, altiva - e ai que está a chave -, coletiva, é difícil fazer qualquer luta de massa. O movimento negro carece no Brasil de uma capacidade, ou de uma disposição para uma ação coletiva mais contundente de caráter anti-sistêmica, ele é muito mais voltado para reivindicar alguns direitos no interior dos quais os indivíduos negros resolvam cada um em melhores condições a sua situação.

Você se considera pessimista?
Por algum motivo, na dinâmica do meu papo, eu acabei destacando forças mais negativas. É que eu não tive aqui a intenção de vender ilusões. Mas eu levo a sério aquilo que é mais difícil, mais desafiador e criativo, aquilo que motiva a minha atividade de cientista social: procurar detectar, descobrir as forças capazes de levar com sucesso lutas anti-sistêmicas. Nós estamos na encruzilhada entre socialismo e barbárie. Essa encruzilhada nunca foi tão clara como na nossa época. É fundamental, por isso, que a gente saiba bastante acerca dos nossos inimigos e dos nossos obstáculos, mas é mais fundamental ainda saber como superá-los.

sábado, 23 de agosto de 2008

A Groenlândia e as mudanças climáticas

A Groenlândia é um dos melhores locais para se observar os efeitos da mudança climática. Como a maior ilha do mundo tem apenas 55 mil habitantes e nenhuma indústria, as condições da sua enorme cobertura de gelo - bem como a sua temperatura, precipitação e ventos - são influenciadas pelas correntes atmosféricas e oceânicas globais que ali convergem. O que quer que ocorra na China ou no Brasil, de alguma forma, é sentido nesta imensa ilha gelada. E como os groenlandeses vivem próximos à natureza, eles são barômetros vivos da mudança climática.

Friedmann afirma que em sua viagem aprendeu um novo idioma na Goenlândia: a "língua do clima".

Segundo ele, é fácil aprendê-la. Ela só tem três frases. A primeira é: "Há apenas alguns anos". Há apenas alguns anos era possível viajar no inverno, em um trenó puxado por cães, da Groenlândia à Ilha de Disko, passando sobre uma banquisa de gelo de 64 quilômetros de extensão. Mas, nos últimos anos, as temperaturas mais elevadas do inverno na Groenlândia derreteram essa ponte de gelo. Agora a Ilha de Disko está isolada. Aposentem o trenó.

Entre 1979 e 2007 houve um aumento de 30% do derretimento da camada de gelo da Groenlândia, e, em 2007, estima-se que este derretimento foi 10% mais intenso do que em qualquer ano anterior. Atualmente a Groenlândia está perdendo cerca de 200 quilômetros cúbicos de gelo por ano - com o derretimento e queda no mar do gelo situado nas bordas das geleiras -, o que excede em muito o volume de todo o gelo existente nos Alpes. Tudo está acontecendo bem antes do que se esperava.

A segunda frase é: "Nunca vi isto antes...". Em dezembro e janeiro choveu em Ilulissat. Este lugar fica bem ao norte do Círculo Polar Ártico! Não devia chover aqui no inverno, mas é isso o que vem acontecendo atualmente.

A terceira frase é: "Bem, geralmente... mas agora não sei mais". Os padrões climáticos tradicionais que as pessoas idosas da Groenlândia conheceram durante toda a vida mudaram tão rapidamente em certos locais. A longa experiência acumulada por elas já não é tão importante como antes. O rio que sempre correu naquele local agora está seco. A geleira que sempre cobriu aquela montanha desapareceu. A rena que sempre esteve lá quando a temporada de caça começava, em 1º de agosto, não apareceu.

Não é de se surpreender que agora todos aqui falem a língua do clima. Ao que tudo indica, as novas gerações serão “alfabetizadas” nesse novo idioma.
José Arbex

domingo, 17 de agosto de 2008

ENEM

Excelente para ficar cada vez mais por dentro do ENEM.

http://educacao.uol.com.br/enem

sábado, 16 de agosto de 2008

UNICAMP

O link abaixo traz as provas comentadas e as respostas acima e abaixo da média.

http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/provas_comentadas.html

É só entrar e mãos a obra.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A África na escola.

Mas eles não gostaram, pois o personagem de Milton Gonçalves é um político corrupto. O deputado estadual José Candido (PT-SP) acusou o ator de prestar um “desserviço” ao movimento negro, criando “uma má impressão do negro à população”. Se entendi direito, o corpo negro é imune à corrupção.
Numa entrevista a este jornal, o ator não se limitou a responder a Candido, mas ofereceu uma aula singela. Ele disse que “algumas coisas mudaram na minha cabeça” depois de visitar a África: “Descobri que não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro. Descobri que não sou africano, sou brasileiro.” São descobertas incompreensíveis para os que nos governam.
Uma lei de 2003 tornou obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira e africana” nas escolas brasileiras. A determinação não se circunscreve a indicar uma temática mas pretende orientar uma abordagem. Num parecer de março de 2004, destinado a esclarecer o espírito da lei, o Conselho Nacional de Educação afirma que o “fortalecimento de identidades e de direitos deve conduzir para o esclarecimento a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal”. Segundo a palavra impressa do Estado brasileiro, a humanidade se divide em raças e as crianças devem aprender que uma ponte racial liga os negros do Brasil a uma pátria ancestral africana.
“Não sou um negro brasileiro, mas um brasileiro negro”. O ator está dizendo que a sua identidade principal emana da esfera política e tem como referência o conceito de cidadania, não o de raça. Os brasileiros, de todos os tons de pele, formam uma nação única, alicerçada sobre o contrato da igualdade perante a lei. A identidade brasileira constitui nossa identidade pública. No espaço privado, segundo opções pessoais, podemos nos definir como negros, brancos, mestiços, gays ou corintianos.
“Não sou africano, sou brasileiro”. A segunda descoberta esclarece a primeira – e esclarece muito mais. A África está no Brasil, de mil maneiras, e há inúmeros bons motivos para se falar mais da África na escola. O melhor foi explicado pela antropóloga Yvonne Maggie, no seu O medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil (RJ, Arquivo Nacional, 1992). Analisando a perseguição judicial contra as religiões mediúnicas, Maggie comprova a hipótese de que a crença na magia afeta pessoas de todas as cores e classes sociais no Brasil. Isso forma uma ponte essencial entre nós e a África. Mas essa ponte também conecta todos os brasileiros e faz de nossa mestiçagem algo mais profundo que o intercâmbio de genes. Mesmo assim, não somos africanos.
O Brasil é o Novo Mundo; a África é o Velho Mundo. No Brasil, o que vale não é a ancestralidade, mas a posição e a renda. Na esperança de inventar uma Europa tropical, o Império do Brasil distribuiu títulos nobiliárquicos, mas tais signos da diferença circulavam como mercadorias especiais no bazar dos privilégios simbólicos. Na África, como em tantos lugares da Europa, a linhagem de sangue define posições e regula relações. Atrás de uma fachada política de repúblicas, as sociedades africanas continuam a girar à volta de constelações de reis tradicionais e líderes ancestrais. Sob certos sentidos, não é o brasileiro, mas o europeu que está mais em casa na África.
“Não sou africano”. Ninguém é africano. África, no singular, é uma declaração de ignorância. As crianças dizem que algum lugar está na África, como se o continente fosse um país. Os europeus inventaram uma África singular para designar a “terra dos selvagens” e, mais tarde, a “terra dos negros”. Os intelectuais negros dos EUA e do Caribe que formularam a doutrina do pan-africanismo beberam no conceito racial europeu para desenhar no céu dos seus sonhos a África singular. No início do século 21, o Brasil oficial ainda não aprendeu que existem Áfricas incontáveis e pretende usar o nome do continente como metáfora para ensinar uma fábula racial às crianças.
O ministro da Educação Fernando Haddad prometeu apresentar em agosto um plano nacional para a implementação da lei de 2003. Leonor Franco de Araújo, coordenadora-geral de Diversidade do MEC, identificou dificuldades na aplicação da lei e as atribuiu ao fato de que os professores “não recebem essa formação durante a graduação”. Deixem-me contribuir com o esforço de Haddad e Leonor na formação dos professores oferecendo-lhes duas pequenas citações. A primeira: “As raças, como as famílias, são organismos e ordenações de Deus; e o sentimento racial, tal como o sentimento familiar, é de origem divina. A extinção do sentimento racial é tão possível quanto a extinção do sentimento familiar. Na verdade, a raça é uma família.” A segunda: “A história do mundo é a história não de indivíduos, mas de grupos, não de nações, mas de raças”. Os autores, pela ordem, são Alexander Crummell (1819-1898) e W. E. B. Du Bois (1868-1963), americanos, negros, pais fundadores do pan-africanismo.
O diagnóstico de Leonor está correto, mas de um modo que ela não suspeita. Há muito a fazer no campo da formação de professores. Contudo, no caso, as dificuldades de aplicação da lei de ensino racial não derivam da ignorância teórica dos mestres mas do seu saber prático, vivido e experimentado. Como Milton Gonçalves, os professores sentem-se brasileiros e aprenderam, bem antes da graduação, que existe “uma identidade humana universal”. Eles têm dificuldades em narrar a história segundo o paradigma racial. Eles resistem à diretiva de dividir a humanidade e seus alunos em raças. O MEC terá que se esforçar mais.

Demétrio Magnoli

domingo, 13 de julho de 2008

Alguns bons filmes sobre II Guerra.

A Cruz de Ferro (Cross of Iron). Direção de Sam Peckinpah, 1977, Inglaterra/Alemanha, 133 min. Companhia alemã na frente russa em 1943, comandada pelo sargento Steiner, é designada para as missões mais difíceis.

A Lista de Schindler (Schindler's List). Direção de Steven Spielberg, 1993, Estados Unidos da América, 195 min. Durante a II Guerra Mundial, industrial salva centenas de judeus poloneses do extermínio ao empregá-los em sua fábricas de panelas patrocinadas tanto por judeus, como depois, pela Gestapo.

Império do Sol (Empire of the Sun). Direção de Steven Spielberg, 1987, Estados Unidos da América, 154 min. Durante a ocupação da China por tropas japoneses, em 1941, menino inglês, rico e mimado, perde-se dos pais e sofre de fome e encarceramento.


O início do fim (Shadow Makers/ Fat Man and Little Boy). Direção de Roland Joffé, 1989, Estados Unidos da América, 126 min. A história do projeto Manhattan, de 1942 a 1945, através do qual os americanos fabricaram as duas bombas atômicas. Fatos e personagens verídicos num roteiro que se encerra antes das históricas explosões em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945.

Stalingrado - A Batalha Final (Stalingrad). Direção de Joseph Vilsmaier, 1993, Alemanha, 140 min. Em 1942, as forças nazistas empreendem ofensiva em inóspito território soviético. Quatro rapazes com personalidades e expectativas diferentes participam da campanha que levaria a um dos mais sangrentos confrontos da Segunda Guerra Mundial.

Filhos da Guerra II Guerra – Holocausto/Ideologia nazista.

Pearl Harbour

Arquitetura da DestruiçãoDocumentário

sábado, 12 de julho de 2008

Os dez mais populosos e povoados

1 República Popular da China 1.321.852.000
2 Índia 1,129,866,673
3 Estados Unidos 301,139,947
3 Indonésia 234,693,997
5 Brasil 190.010.647
6 Paquistão 164,741,924
7 Bangladesh 150,448,339
8 Rússia 141,377,752
9 Nigéria 135,031,164
10 Japão 127,433,494


1 Macau 18,428
2 Monaco 16,754
3 Singapore 6,489
4 Hong Kong 6,407
5 Gibraltar 4,654
6 Vatican City 1,866
7 Bahrain 1,454
8 Malta 1,272
9 Bermuda (UK) 1,211
10 Maldives 1,105

Em 2008, metade da população mundial estará vivendo em áreas urbanas, diz relatório da ONU

Repórteres da Agência Brasil

São Paulo - Até o ano que vem, cerca de 3,3 bilhões de pessoas - ou metade da população mundial atual - estará vivendo em áreas urbanas. A estimativa é do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), que lançou hoje (27), em São Paulo, o relatório Situação da População Mundial 2007: desencadeando o potencial do crescimento urbano.

Segundo o relatório, até 2030, esse número deverá chegar a quase 5 bilhões de pessoas, correspondendo a cerca de 60% da população mundial. O crescimento será mais intenso na África e na Ásia, que deverão duplicar sua população urbana e acrescentar mais de 1,7 bilhão de pessoas no mundo. Nos países desenvolvidos, a expectativa é de que o crescimento da população urbana esteja entre 870 milhões e 1,01 bilhão de pessoas.

“Nossa maior preocupação neste relatório são a África e a Ásia. Estima-se que, no espaço de uma geração, a população urbana na África e na Ásia dobrará. Entre 2000 e 2030, a população urbana da Ásia crescerá de 1,4 bilhão para 2,6 bilhões de pessoas; a da África, de quase 300 milhões para 740 milhões; e a da América Latina e Caribe, de quase 400 milhões para mais de 600 milhões”, disse a diretora executiva do Unfpa, Thoraya Obaid, em documento entregue hoje (27) à imprensa.

De acordo com o relatório, muitos desses novos habitantes urbanos serão pobres. “O crescimento urbano futuro será de pobres, mas a urbanização pode ajudar a reduzir a pobreza”, afirmou a representante do Unfpa no Brasil, Alanna Armitage, em entrevista à imprensa. Segundo Alanna, “essa onda de crescimento urbano é sem precedentes, mas, para aproveitar essa oportunidade, as cidades precisam se preparar agora para um crescimento que está por vir”.

O estudo diz que os formuladores de políticas devem começar a se preocupar com o problema do aumento da população pobre nas cidades agora, focando principalmente na questão do acesso à terra. “Oferecer aos pobres lotes com infra-estrutura básica ajudará a atender necessidades atuais e futuras. Com a posse segura, ruas de acesso, abastecimento de água, saneamento, energia e coleta de lixo, as pessoas construirão suas próprias casas. Um endereço pode ser o primeiro passo para sair da pobreza”, afirma, no documento, Thoraya Obaid.

Segundo o relatório, o crescimento urbano é cerca de 60% resultado do aumento vegetativo – a diferença entre nascimentos e mortes - e não da migração, ou seja, as cidades vêm crescendo de dentro para fora. Em resposta a esse fenômeno, o relatório propõe que os governos evitem a política de deter a migração para as cidades e passem a adotar políticas que ofereçam e ampliem os serviços sociais e o invistam nas mulheres.

“De nada adiantam ou adiantarão políticas públicas que desestimulem a vinda das pessoas para os centros urbanos, porque elas vão continuar existindo - o relatório é muito claro, ou que estimulem a saída das pessoas”, afirmou o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. “Nós devemos aqui criar condições para que as pessoas, em especial as mais pobres, continuem vivendo na cidade, mas vivendo melhor e com mais qualidade de vida”.

A representante auxiliar do Unfpa Taís de Freitas Santos ressaltou que o relatório não aponta soluções específicas para o Brasil, mas que o país poderia servir de modelo para outras nações. “No caso do Brasil, estamos num estágio de urbanização bastante avançado. Já temos mais de 80% da população brasileira vivendo em áreas urbanas. Uma coisa que se pode destacar é que talvez o Brasil possa servir de modelo para outros países que vão passar por esse estágio de urbanização”, afirmou.

População mundial superará 9,2 bilhões em 2050

da Folha Online

A população mundial chegará a mais de 9,2 bilhões de habitantes em 2050, segundo um relatório divulgado nesta terça-feira pela ONU (Organização das Nações Unidas). Os motivos do aumento da população são, segundo o estudo, maior longevidade e melhora de acesso ao tratamento do HIV e da Aids.

O estudo, elaborado pela divisão de população do Departamento de Assuntos Sociais e Econômicas da ONU (DESA), analisa as tendências demográficas no âmbito nacional, regional e mundial, com a idéia de servir como indicador para as pesquisas e estatísticas que são feitas no órgão.

De acordo com a pesquisa, o mundo terá um aumento de 2,5 bilhões de habitantes nos próximos 43 anos -- passando dos 6,7 bilhões que deverá alcançar em julho deste ano a 9,2 bilhões em 2050, segundo o informe.

O aumento equivale ao tamanho total da população do mundo no ano de 1950 e será absorvido, em sua maioria, pelos países em desenvolvimento.

Sozinhos, estes países devem passar de 5,4 bilhões de habitantes em 2007 para 7,9 bilhões de habitantes em 2050.

Queda

Em contraste com o crescimento nos países em desenvolvimento, a população das regiões desenvolvidas deve sofrer poucas alterações no período estudado, com uma média de 1,2 bilhão de habitantes.

As correntes migratórias não deverão afetar o crescimento da população mundial, segundo a ONU.

"A imigração não impulsionará o crescimento da população, mas a manterá constante", afirmou Hania Zlotnik, diretora do departamento de população da ONU.

"Esta não é a razão para que um país aceite imigrantes, a razão seria fazer com que os imigrantes sejam absorvidos pela demanda do mercado de trabalho", completou.

Atualmente, os países que recebem maior número de imigrantes por ano são os Estados Unidos (1,1 milhão), Canadá (200 mil), Alemanha (150 mil), Itália (139 mil), Reino Unido (130 mil), Espanha (123 mil) e Austrália (100 mil).

Os maiores países emigrantes são China, México, Índia, Filipinas, Paquistão e Indonésia, segundo a ONU.

Mudanças

O estudo encontrou ainda uma mudança na tendência de crescimento populacional relacionada com o compromisso dos governos de levar tratamento médico aos afetados pelo vírus HIV e pela Aids.

A previsão da ONU é que em 40 dos 62 países com maior número de infectados pelo HIV (a maioria na África subsaariana), 70% da população terá acesso ao tratamento com antiretrovirais.

Outras mudanças na tendência de crescimento apontadas pelo estudo são a queda da taxa de mortalidade e a maior longevidade das pessoas, aliada à redução da taxa de fertilidade dos países em desenvolvimento.

Envelhecimento

O resultado das mudanças é que as populações de cada vez mais países vão envelhecer mais rápido. Com isso, o número de pessoas com mais de 60 anos de idade passará dos 673 milhões atuais aos dois bilhões em 2050.

Nas regiões industrializadas, a população que supera os 60 anos de idade representa atualmente 20% da população, e a previsão é que essa porcentagem aumente para 33% em 2050.

Nos países desenvolvidos, a população de 60 anos ou mais deverá quase dobrar, passando dos 245 milhões em 2005 para 406 milhões em 2050.

A população de menos de 60 anos nesses países deverá diminuir, caindo de 971 milhões para 839 milhões.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Entrevista com José Arbex Jr - América Latina - Vale a pena

Utopia capitalista.


José Arbex Jr – O que está acontecendo na América Latina? Estamos vivendo um novo período revolucionário?
A América Latina chegou a um novo momento de impasse histórico. Há uma crise de proporções catastróficas, graças à recolonização, que se acentuou nos anos 90. Nos últimos quinze anos, sofremos processos de desnacionalização e desindustrialização, de aumento das desigualdades sociais. Esse processo, mais acentuado num país, menos em outros, fez com que todas as chagas históricas do nosso continente adquirissem proporções colossais. Hoje, a maioria de sua população vive na miséria biológica, mal consome todos os dias as duas mil calorias indispensáveis para a pessoa manter o mínimo de saúde física e mental. Apesar das taxas oficiais de escolaridade se elevarem, mais de metade da população não atribui sentindo à linguagem escrita. A concentração da propriedade, urbana ou rural, agrária ou industrial, móvel ou imóvel, adquire proporções muito mais elevadas do que no passado. Todos esses elementos se acumularam de tal maneira que se esgotou uma experiência histórica. A partir da virada do milênio, abriu-se uma situação revolucionária no conjunto do continente, com situações nacionais diferentes.
José Arbex – Não soa irônico que justamente um militar de carreira, ao chegar ao poder, na Venezuela, tenha assumido a defesa de um projeto socialista para a América Latina, por ele qualificado como o “socialismo do século 21”?
É o padrão da America Latina, não é um fenômeno novo. Chávez está associado ao fenômeno do surgimento de uma corrente militar nacionalista, cujo horizonte histórico encontra-se nos limites do capitalismo, mas que se radicaliza contra a exploração imperialista, contra as frações burguesas oligarquizadas. Prestes surgiu no Brasil, nos anos 20, liderando o tenentismo, como um movimento que expressava a radicalização das novas classes médias urbanas contra a burguesia agrária da República Velha. No México, o general Lázaro Cárdenas suspendeu o pagamento da dívida externa, depois da crise de 1929, e só voltou a pagar ao final da Segunda Guerra Mundial. É pouco lembrado que, nos 70, houve a experiência do general Velasco Alvarado, o chamado socialismo militar, no Peru, e a do general Juan Torres, na Bolívia. Então, não há uma surpresa histórica. Por outro lado, podemos falar da crise da esquerda venezuelana: se o nacionalismo militar radicalizado adquire um peso tão grande, isso diz muito do que aconteceu com a esquerda, e não só na Venezuela. Nos últimos 15 anos, houve um furacão, um tsunami político, que tornou a esquerda latino-americana irreconhecível. Para quem, da nossa geração, viu o que foi sandinismo na Nicarágua no final dos 70, a Frente Farabundo Marti em El Salvador, para quem se lembra o que era toda esquerda inspirada no exemplo da revolução cubana – como os montoneiros e os tupamaros - e até os grandes partidos comunistas que tinham peso de massa, como no Uruguai, hoje o quadro é desolador. Ex-montoneiros colaboram com Kirschner, na Argentina, e Daniel Ortega colabora abertamente com alguma das frações mais poderosas da burguesia nicaragüense, e por aí afora.
José Arbex – O que significa, para você, o “socialismo do século 21”?
É um projeto que mantém as relações de propriedade capitalista e uma economia de mercado com um papel regulador forte do Estado, cujo objetivo é garantir não só o funcionamento dos serviços públicos, mas um certo controle de preços sobre as mercadorias mais essenciais. É, fundamentalmente, uma utopia do mundo contemporâneo, um projeto de regulação social do capitalismo. Todas as tentativas históricas que foram feitas nesse caminho, até hoje, fracassaram. O capitalismo não é regulável, a ruptura é inevitável. O capital aceita negociações e faz concessões, apenas se houver perigo de revolução. Historicamente, nós podemos ver três experiências históricas em que o capital esteve disposto a fazer concessões: no final do século 19, depois do terror que foi para a sociedade burguesa européia a Comuna de Paris; à luz da experiência trágica dos anos 30 do século 20, e após a tragédia produzida pela Segunda Guerra, que abriu o caminho para novas revoluções, porque existia outubro de 1917 como exemplo. O capitalismo europeu, no quadro do Plano Marshall, fez concessões às classes trabalhadoras e negociou reformas. Em certa medida, o pacto social do pós-guerra criou uma regulação limitada, estabeleceram-se limites para exploração da força de trabalho, reconheceram-se direitos da classe trabalhadora. A geração posterior à guerra fez um grande acordo que explica porque o período da Guerra Fria foi, em grande medida, de certa estabilidade no centro do sistema. Mas, nas sociedades periféricas, esse pacto social nunca existiu. As concessões são sempre transitórias e efêmeras, e feitas em situações limite. Podemos dizer, por exemplo, que nos anos 50 foram feitas concessões ao trabalho no Brasil, com a garantia da estabilidade de emprego, com a consolidação das leis do trabalho (CLT), mas isso decorria, em grande medida, de um fato fundamental: quando acabou guerra, no Brasil, à parte Vargas, o líder popular com maior prestígio no país era Luís Carlos Prestes, eleito ao senado com 10 milhões de votos, líder de um partido comunista com influência de massas. É neste marco que nós entendemos as concessões. Depois disso, a Constituição de 1988 consagra, formalmente, a extensão de direitos que correspondem à intensidade da luta de classes nos anos 80. Uma das concessões mais extraordinárias foi a extensão do direito de aposentadoria para os trabalhadores rurais, provavelmente a política pública de distribuição de renda mais significativa da história do Brasil dos últimos 50 anos. Mas são medidas excepcionais e têm pouca durabilidade. Nenhuma sociedade periférica, nem na América Latina, nem na África e na Ásia chegou sequer perto do tipo de pacto social que se construiu na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. As burguesias dos países periféricos não têm como fazer pactos semelhantes, dado o fato de que o lugar que elas ocupam no sistema internacional é muito mais fragilizado. Demograficamente, as classes médias acomodadas, que levam vidas confortáveis, têm um peso, nas nossas sociedades, incomparavelmente menor do que possuem até mesmo na Europa do Mediterrâneo, sem falar na Europa do norte, Estados Unidos e Japão. Ou seja, o colchão social das classes médias, que deu estabilidade aos regimes democráticos na Inglaterra, França ou Alemanha, esse colchão é muito reduzido. Por isso, aqui, a dominação burguesa passa por oscilações tão grandes.
José Arbex – Você acha possível que Chávez possa promover a ruptura com o imperialismo?
Na historia tudo é possível, nós temos o exemplo de Fidel: ele fez, foi além. O contexto internacional é decisivo. Quando Fidel, em 1961, depois de dois anos de hesitações, constitui um governo de ruptura com o capitalismo, em Cuba, existiam Moscou e Pequim. O quadro, hoje, é completamente distinto e deste ponto de vista muito mais adverso para a Venezuela. Isso limita a margem de radicalização de que seria capaz essa corrente militar nacionalista. Por outro lado, a restauração capitalista dos últimos 15 anos, no Leste Europeu, na União Soviética e na China tem um impacto tremendo, que não pode ser minimizado.
José Arbex – Na Bolívia, aconteceu uma coisa que parece ser nova, o protagonismo dos povos originários, que também se manifestam com força no México e no Equador. O que significa isso?
Significa o despertar de grandes massas indígenas camponesas que viviam como sub-cidadãos dentro de suas próprias nações. O campesinato latino-americano foi a vanguarda, lembremos, da primeira grande revolução do século 20, a Revolução Mexicana. Hoje, o seu novo protagonismo decorre das seqüelas do ajuste neoliberal. Os planos de estabilização da moeda, sobretudo, destruíram as condições mais elementares de vida das comunidades camponesas. E por outro lado, a crise econômica crônica criou na America Latina um fenômeno novo que é o movimento da migração em massa para os países centrais: 25 milhões de latino-americanos foram para o Japão, Europa Central e, majoritariamente, para os Estados Unidos. Uma parte da juventude vai embora, foge de seu país, isso deixa seqüelas imensas nessa sociedade: pauperismo, desemprego crônico, miséria biológica. As comunidades camponesas atravessaram o século 20 na pobreza, mas não podemos falar em fome. Já nos anos 90, vemos fenômenos de desnutrição, queda da acessibilidade à escola, regressão em muitos indicadores sociais chaves, queda nos padrões médios de vida, e fome. No Brasil, algo em torno de 100 mil bolivianos trabalham em condições de semi escravidão, e ainda assim o movimento de imigração não se interrompe. Por que? Por causa da mercantilização da terra, de todos os produtos fundamentais, porque não há condições mínimas para eles poderem responder às suas necessidades. Então, há um protagonismo que tem uma dinâmica revolucionária.
José Arbex – Por outro lado, aconteceu uma coisa muito interessante nos últimos 10 anos: o movimento de massas derruba não mais ditadores, mas sim presidentes eleitos, como no Equador, na Bolívia, na Argentina. O que isso indica, na sua opinião?
É um fato histórico novo. Nunca antes dessa experiência tínhamos revoluções democráticas contra o regime democrático liberal. As situações revolucionárias abriam-se, essencialmente, em situações terminais, contra regimes de exceção, ditatoriais. Agora, o tabu marxista de que insurreições não triunfavam contra regimes legitimamente sufragados nas urnas desabou. Ao longo dos últimos 20, 25 anos, tivemos, na América Latina, regimes democráticos que herdaram das antigas ditaduras militares economias semi-coloniais, com uma inserção mais frágil no mercado mundial, e Estados com um peso mais debilitado no sistema internacional. A estagnação produziu o agravamento de todas as seqüelas, todas as doenças sociais: delinqüência,marginalização em grande escala, o avanço do crime organizado, a lumpenização das sociedades, a migração em massa, a decadência da educação pública, das artes, da cultura. Mas as sociedades não podem mergulhar no abismo indefinidamente. Essa nova vaga de revoluções democráticas é uma reação das sociedades. Graças à nova vaga, Tabaré, Lula, Ortega, Kirchner não podem mais fazer o que Menem fez na Argentina, o que Fernando Henrique e Fujimori fizeram no Brasil ou no Peru. Mas o problema de fundo permanece em aberto: os imigrantes não voltaram, o desemprego, mesmo quando diminuiu, manteve-se num patamar muito mais elevado do que era o quadro anterior. Haverá uma segunda onda, provavelmente ainda mais radicalizada, de mobilizações da América Latina.
José Arbex – Muita gente fica intrigada quando compara a situação do Brasil com a do resto da América Latina. Aparentemente, o Brasil permanece “deitado em berço esplêndido”. Como é que você explica?
A América Latina já caminha na direção de uma segunda vaga revolucionária e nós não vivemos ainda a primeira. O problema de fundo é que o proletariado brasileiro não voltou cumprir o papel que ele teve em 1978 ou1984. Em algum momento, entre 1993 e 1995, ocorreu no Brasil uma inversão global de forças em relação ao período que se abriu entre 1978 e 1989.
José Arbex – Mas, porque a reação demora tanto a acontecer no Brasil, quando se compara com a América Latina?
Em primeiro lugar, porque o Brasil, por ser o país mais poderoso da América do Sul, sofreu menos com a desnacionalização do que a Argentina; a desindustrialização foi menor aqui do que no Chile. O imperialismo tem uma política que privilegia o Brasil, a atitude de Washington em relação à Brasília não é a mesma que em relação à Buenos Aires, ou a Lima, ou a Santiago. O Brasil é a jóia da coroa, é o país decisivo do continente. Depois do que foi a turbulência dos anos 80, os norte-americanos têm muito cuidado em apertar o garrote da burguesia brasileira em excesso. Há outros problemas de fundo: o Brasil cumpre o papel de sub metrópole na América Latina. As grandes companhias multinacionais são estabelecidas com sedes no Brasil porque elas operam para a escala do mercado brasileiro, justificando toda uma redistribuição para o conjunto do continente.
José Arbex – Estatísticas recentes da ONU que dizem que o Brasil entrou para o clube dos países mais desenvolvidos. Isso não é contraditório com o quadro desolador de decadência que você descreve?
A dinâmica da sociedade brasileira não é ascendente. Como explicar que entre três e cinco milhões de brasileiros (ninguém sabe exatamente quantos são ) fugiram do Brasil nos últimos 10 anos, para viver em condições sub humanas, em subúrbios dos Estados Unidos, de Portugal, de Londres, do Japão? Essas milhões de pessoas estão entre os mais capazes da juventude, e não por acaso remetem 10 bilhões de reais para o Brasil. As massas tentam reagir contra a decadência. Primeiro, procuram combinações do voto com soluções negociadas: são os governos de centro-esquerda, uns com uma retórica mais radical, como em La Paz e em Caracas, outros com uma retórica muita mais moderada como em Brasília, Buenos Aires e Montevidéu, mas com um projeto que, essencialmente, é o mesmo, de regulação do capitalismo periférico sem romper com o mercado mundial. Não vejo tanta diferença de projeto entre Kirchner, Lula e Evo Morales com suas políticas compensatórias. A rigor, para ser justo, o alcance dessas políticas na Argentina foi mais gigantesco. No Brasil, foram beneficiadas 11 milhões de famílias, o que corresponde a algo como 15% da população economicamente ativa (PEA). Na Argentina, foram 25% da PEA. O projeto que está sendo implantado na Venezuela não é muito diferente. No fundamental, estamos discutindo é o seguinte: o projeto de regular o capitalismo e atender à satisfação das massas com políticas sociais compensatórias têm fôlego histórico ou isso é uma utopia?
José Arbex – Supondo-se que haja mesmo uma onda revolucionária no Brasil, aqui não existem organizações de esquerda capazes de estruturar e organizar movimentos de massas na via da ruptura com o capitalismo. Tirando a conclusão lógica do que você diz, o que vamos presenciar? Vagas revolucionárias e subseqüentes derrotas?
Há uma acefalia, uma fragilidade da representação popular, pela assimetria - para usar um termo que os sociólogos gostam -, da representação entre as classes. A burguesia dos nossos países sabe que para dominar, precisa controlar a representação das outras classes, então ela se representa a si própria e coopta, atrai as organizações que surgem das lutas populares. Mas nem sempre com completo sucesso, porque uma parte das lideranças não pode ser comparada nem corrompida. O material humano que surge e se desenvolve no combate dos trabalhadores latino-americanos, dos povos originários, dos camponeses, da juventude é extraordinário. Surgem nas lutas às dezenas, aos milhares, às centenas de milhares. Há uma enorme energia, são países com um peso da juventude enorme, surgem muitos líderes. Então, deste ponto de vista, há elementos para ser otimista. Rapidamente, surgem novas organizações. Mas há uma outra dimensão do problema que é trágica, porque surgem no calor do combate milhares de lutadores que vêm com vigor dos que estão dispostos a lutar pela primeira vez, mas sem a experiência. Uma direção jovem tende a ter muita audácia, mas vai cometer erros, porque não se apóia na experiência acumulada. Esse é o grande desafio dos marxistas latino-americanos, o de estar presentes na primeira linha, ao lado dos novos lutadores, para que o fio de continuidade da história não se perca.
José Arbex – O PT e a CUT continuam sendo organizações de massa. Numa eventual retomada das grandes lutas, que papel eles vão jogar?
A CUT hoje é ainda uma grande central, mas dificilmente agrega mais do que trezentos sindicatos que se dispõem a pagar regularmente suas cotas sindicais. Há uma crise financeira tremenda. Se nós formos comparar quantos sindicatos cotizam da CONLUTAS e quantos cotizam da CUT, nós vamos ter uma proporção melhor de qual o piso efetivo de cada uma das centrais. A CUT já se esvaziou em grande medida, ela é hoje um braço do Ministério do Trabalho, então a sua força efetiva como aparelho é muito pequena. Qual é a capacidade que a CUT tem de fazer uma mobilização nacional em Brasília? É maior ou menor que a CONLUTAS? Eu digo que é menor.
José Arbex – Mas a CUT não está interessada em promover mobilizações...
Mas ela tem que fazer, digamos, uma mobilização de faz de conta, porque acordada com o governo. No fundo, uma mobilização para apoiar aquilo que já tinha sido negociado com o governo. Já no caso do PT, curiosamente, o seu peso eleitoral está muito mais concentrado nos setores mais atrasados do que no momento em que o PT cumpriu um papel progressivo, nos anos oitenta. Acho que hoje o PT tem um compromisso de fundo com a estabilidade do regime. Há algo de fundo que mudou, algo muito simples, mas muito profundo. O PT nos anos oitenta, até a instalação do Colégio Eleitoral, era oposição ao governo e ao regime. O PT era a oposição ao governo Figueiredo e era oposição ao regime, que era a ditadura. A partir da eleição do Colégio Eleitoral, lentamente o PT foi se deslocando, para ser oposição a Sarney, mas defensor do regime. Pela primeira vez, o PT cumpriu um papel objetivo na defesa do regime, quando ele apoiou a posse de Itamar Franco. Durante os oito anos de Fernando Henrique, o PT foi a oposição ao governo, mas foi um partido do regime. Isso significa que o PT deve lealdade às instituições, reconhece legitimidade no Supremo Tribunal Federal, a legitimidade do Estado Maior das Forças Armadas, dos tratados internacionais que o Brasil herdou, muitos da época da ditadura. O PT está integrado ao regime. Um partido da ordem não apóia mobilizações sociais para desestabilizar a ordem.
José Arbex Jr: Mas essas políticas encontram apoio entre as massas...
Em nenhuma sociedade as classes medem forças frontalmente antes de terem esgotado todas as possibilidades de resolver o conflito através de negociações. Não vejo porque o Brasil e a América do Sul seriam diferentes. Ao longo do século vinte, você verá que a busca da saída revolucionária só se impôs depois que a expectativa da mudança através de reforma tinha sido ensaiada uma, duas, três, quatro vezes, demonstrado para milhões de pessoas que não é possível mudar a sociedade sem luta.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Acesse e acerte no ENEM

http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2008/60anosdoestadodeisrael/

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Pelo menos este ano escolha a opção da direita.

Interesses econômicos e questões geopolíticas contaminam os ideais olímpicos.

Séculos depois, as Olimpíadas perderam prestígio com o domínio romano sobre a Grécia. Em 392 d.C, o imperador Teodósio I, que havia se convertido ao cristianismo proibiu todas as festas que tivessem caráter pagão. O politeísmo dos jogos era inaceitável para um monarca convertido a uma religião monoteísta. As Olimpíadas só voltariam a ser realizadas em 1896, na Grécia (Atenas), por iniciativa de Pierre de Fredy (1863-1937), o barão de Coubertin que também fundou o Comitê Olímpico Internacional (COI).

Na Grécia Antiga as Olimpíadas eram cerimônias de confraternização política e social, imortalizadas pelos poetas da época que contavam as façanhas dos heróis olímpicos. Na atualidade os Jogos se constituem num evento único, transmitido ao vivo pela televisão e assistidos bilhões de pessoas em todo o mundo.

O ideal de Coubertin era resgatar o sentido original das Olimpíadas que, antes de tudo, deveriam promover o encontro plural entre os povos. Mas, o sentido pluralista dos Jogos foi invariavelmente contaminado por interesses econômicos e disputas geopolíticas.

A partir dos anos 1970, o COI permitiu que atletas profissionais participassem das competições, antes somente reservadas a amadores. Essa situação permitiu a que grandes corporações internacionais ligadas ao setor esportivo convertessem as Olimpíadas num palco privilegiado do marketing. Sob a pressão dos negócios milionários que se associaram ao esporte, atletas passaram a utilizar os mais variados tipos de drogas com o objetivo de melhorar seus rendimentos físicos (e monetários).

Mas os patrocínios não ficaram restritos aos atletas. Nas Olimpíadas deste ano, transnacionais como a Coca Cola, a Lenovo, a rede Mc Donald’s e a Sansung estão dispendendo a bagatela de 100 milhões de dólares cada em patrocínios, enquanto a Volkswagen, a Adidas e a Air China entraram com cotas de US$ 50 milhões. Para Tim Fenton, executivo-chefe do Mc Donald’s na Ásia, em Pequim será disputada “a maior Olimpíada de nossa vida”.

Se na Antiguidade as Olimpíadas interrompiam as guerras, o mesmo não aconteceu com os Jogos Olímpicos modernos. Três deles, os de 1916, 1940 e 1944, não foram disputados em razão das duas guerras mundiais. Em praticamente todas as edições dos Jogos o espírito olímpico foi atropelado por algum tipo de questão política.

Na Olimpíada de 1920 (Antuérpia, Bélgica) as nações derrotadas na Primeira Guerra Mundial (Áustria, Alemanha, Hungria e Turquia), não foram convidadas, assim como também não o foram o Japão e Alemanha para a Olimpíada de Londres (1948). Nos jogos de 1936, em Berlim, Adolf Hitler, defensor da supremacia da raça ariana, retirou-se antes da premiação do atleta negro norte-americano Cornelius Johnson.

A lista de atropelos é longa. Em 1952, depois de longas e inconclusivas discussões com o COI, China e Taiwan desistiram de participar daqueles Jogos, realizados em Helsinque (Finlândia). Em 1956, por conta da Crise de Suez, Egito, Iraque e Líbano desistiram de participar nos Jogos de Melbourne (Austrália) o mesmo acontecendo com a Holanda e Espanha que protestaram contra a invasão soviética da Hungria.

A de 1960, em Roma, foi a última Olimpíada na qual participou o Estado sul-africano de minoria branca, em razão dos protestos internacionais contra o regime do apartheid. Expulso do COI, só voltaria a participar dos jogos em 1992. Naqueles Jogos, de 1960, realizados um ano antes da construção do Muro de Berlim, as duas Alemanhas desfilaram e competiram sob a bandeira olímpica.

A radicalização das lutas do movimento negro norte-americano teve reflexos nos Jogos do México (1968). Os atletas negros americanos Tommie Smith e John Carlos, medalhistas numa das provas de atletismo, usando luvas e boinas negras transformaram a cerimônia de entrega das medalhas numa demonstração política. Sob os primeiros acordes do hino americano eles ergueram os punhos fechados na saudação-símbolo do movimento Black Power.

Os jogos de Munique (Alemanha, 1972), ficaram marcados pela ação do grupo extremista palestino Setembro Negro que seqüestrou e matou nove atletas de Israel. Desde então, as Olimpíadas passaram a se cercar de sofisticados aparatos de segurança, isolando os atletas do público.

Na década final da Guerra Fria registraram-se os grandes movimentos de boicote. Nas Olimpíadas de Moscou (1980), os Estados Unidos lideraram um boicote de 62 países em protesto contra a invasão soviética do Afeganistão ocorrida em 1979. Na Olimpíada seguinte os soviéticos e países do bloco socialista (com exceção da Romênia), boicotaram os jogos realizados em Los Angeles.

Mesmo antes de seu início, as Olimpíadas de Pequim já estão sendo questionadas por grupos que vêm promovendo manifestações em várias partes do mundo exigindo o boicote aos Jogos. O desrespeito aos Direitos Humanos no país, as “relações especiais” da China com o Sudão (acusado de genocídio de populações na região de Darfur) e a repressão aos monges tibetanos são as motivações dessas manifestações.

“Que a alegria e o companheirismo reinem e, dessa maneira, que a tocha Olímpica siga através dos tempos, promovendo a amizade entre os povos para o bem de uma humanidade cada vez mais entusiasmada, corajosa e pura”. As palavras de Pierre de Coubertin, nunca pareceram tão fora de lugar.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Se este é o seu objetivo, tenha atitude e estude.

A número 3 das Américas.

A Petrobras é a terceira maior empresa das américas em valor de mercado, de acordo com um balanço divulgado neste segunda-feira pela empresa de consultoria Economática. A soma do valor das ações da petrolífera brasileira superou até a da Microsoft.

De acordo com a consultoria, a cotação das ações da Petrobras é estimada em 287,17 bilhões de dólares, enquanto as da Microsoft estão em 279,3 bilhões de dólares. Em primeiro lugar no ranking está a Exxon Mobil, cujo valor é 489,64 bilhões de dólares, seguida pela General Eletric (320,25 bilhões de dólares).

A mineradora Vale também aparece na lista das dez maiores empresas americanas, em 9º lugar, avaliada em 196,49 bilhões de dólares. O balanço da Economática leva em conta dados colhidos até o sai 16 de maio.

As dez maiores empresas americanas:

Exxon Mobil - US$ 489,640 bilhões
General Electric - US$ 320,253 bilhões
Petrobras - US$ 287,171 bilhões
Microsoft - US$ 279,306 bilhões
AT&T Telecomunicações - US$ 238,056 bilhões
Wal Mart Stores - US$ 225,562 bilhões
Chevron Texaco - US$ 207,625 bilhões
Procter & Gamble - US$ 203,787 bilhões
Vale do Rio Doce - US$ 196,495 bilhões
Berkshire Hathaway - US$ 189,580 bilhões

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Novidade.

Nobres Alunos,

Para ter acesso aos slides utilizados em aula, textos de aprofundamento, questões de vestibulares, etc. Associe-se ao prof-rogeriobartilotti@yahoogrupos.com.br

domingo, 24 de fevereiro de 2008





Líder máximo do governo de Cuba desde o processo revolucionário de 1959, Fidel Castro representou o último resquício do comunismo dentro do continente americano. Muitos afirmam que seu governo personalista não se insere nos ideários políticos de esquerda, entretanto, podemos ao menos afirmar que a trajetória desse líder político e de seu governo representou uma singular experiência na história política.

Retomando o seu processo de chegada ao poder, não podemos deixar de destacar como a ingerência norte-americana no território cubano fez de Fidel um entrave à total hegemonia política e ideológica almejada pelos Estados Unidos. Desde o processo de sua independência até o golpe de 1959, os Estados Unidos tinham Cuba como um verdadeiro quintal de sua “hegemonia”. Além de se beneficiarem com a subserviência política dos governantes locais, muitos estadunidenses tinham a ilha como um local propício para o turismo e o lazer.

Inconformado com um país onde havia desigualdade social e prosperidade da economia agro-exportadora, Fidel tentou durante toda a década de 1950 criar um grupo de revolucionários interessados em tomar o poder por meio das armas. Três anos após um exílio no México, onde conheceu Ernesto “Che” Guevara, ele formou uma nova guerrilha, Fidel retornou à ilha de Cuba disposto a executar seu plano golpista. Entrando em combate com o Exército, Fidel recuou seus homens e se dirigiu ao interior, na região da Serra Maestra.

Utilizando uma tática militar descentralizada, pequenos grupos se formaram gradativamente tomando de assalto regiões e cidades de Cuba até que, em 1959, o governo de Fugêncio Batista sucumbiu as forças revolucionárias formadas nesse período. Sem uma clara definição política perante a bipolarização ideológica do período, o novo governo cubano não tinha ainda um projeto político muito bem definido. Porém, conforme as medidas de caráter popular, como a nacionalização das empresas, a reforma agrária e a concessão de crédito a pequenos produtores, foram postas em prática e esse período de indecisão política chegava ao seu fim.

Contrários a essa política, os Estados Unidos buscaram de todas as maneiras reverter as reformas populares de Fidel. Com a impassividade do governo cubano, os EUA decidiram romper suas relações em 1961. Cuba, que dependia do mercado norte-americano, se aliou aos socialistas soviéticos. A União Soviética, dessa forma, manchou a hegemonia dos Estados Unidos no continente americano. Che Guevara, que não simpatizava com a influência soviética, se afastou do governo cubano. A partir daí, Fidel Castro consolidou um governo unipartidário e voltado à ampliação de seus poderes.

A queda do socialismo soviético, na década de 1980, provocou uma séria guinada na situação cubana. Mesmo tentando sanar as questões referentes ao abastecimento, a saúde e a educação, Fidel agora teria que remanejar uma economia desvinculada do maciço apoio soviético. Com isso, o governo cubano foi obrigado a investir no setor turístico e permitir a entrada de recursos de cubanos residentes no exterior. Nos últimos anos, acordos bilaterais com o governo da Venezuela trouxeram uma relativa superação dos problemas vividos no final do século XX.

Cercado por polêmicas e divergências a era Fidel Castro traz à tona um debate figurado pelas contradições de seu regime. Muitos apontam que a perseguição política e a miséria são os pontos que fazem de seu governo uma experiência frustrada que motivou as constantes fugas de cubanos para outros países, principalmente, para os Estados Unidos. Seus defensores, por outro lado, elogiam o posicionamento autônomo, a erradicação do analfabetismo e a excelência nos serviços de saúde como grandes triunfos da administração de Fidel.

Os sucessivos problemas de saúde de Fidel Castro o afastaram do poder causando uma verdadeira incógnita política em Cuba. Desde julho de 2006, o governo foi assumido provisoriamente por seu irmão Raul Castro. No entanto, vários analistas políticos não conseguem definir quais as possíveis mudanças na vida política de Cuba. De acordo com alguns especialistas, o governo Bush já teria em mãos um plano para dar fim à ditadura comunista do país. Sob a alegação de buscar o prevalecimento de instituições democráticas, os EUA pressionariam outras nações a exigirem uma reforma política em Cuba.

Sem dar um tom melancólico a sua saída ou incitar algum tipo de mobilização popular, Fidel declarou – depois de mais de quarenta anos de mandato – que não tem interesse em se perpetuar no poder, impedindo a chegada de outras novas lideranças políticas. Além disso, o ex-presidente cubano afirma que seu atual papel será o de um “soldado das idéias”. Mesmo não podendo dar certeza sobre o futuro político de Cuba, percebemos que o longo período de um governo focado na figura de Fidel Castro traz um grande vazio no vindouro cenário político cubano.

Por Rainer Sousa
Graduado em História